domingo, 29 de novembro de 2009

Vida fácil: hipocrisia social?

Muitas vezes, a afirmação de que a prostituição é a “profissão mais antiga do mundo” tem uma conotação evasiva e vaga, já que não permite uma definição mais clara acerca do desenvolvimento histórico e social desta atividade. Assim, parece possível e corriqueiro usar o termo “profissão” para uma atividade tantas vezes considerada marginal ou de segunda classe, sem situar a sua “antiguidade” e outras nuances.

Os anos 80 assustaram-se com a constante divulgação de um novo fenômeno dentro da indústria sexual: a PROSTITUIÇÃO MASCULINA. Causando ao mesmo tempo perplexidade, curiosidade e asco, a poderosa televisão, as artes e a Ciência passaram a trazer à tona a existência desta prática, durante tanto tempo negligenciada.

A epidemia de AIDS em muito contribuiu para o desvelo desta vertente da atividade de prostituição. Partiu-se subitamente da chamada liberdade sexual para a vigilância sexual, pois enquanto doença sexualmente transmissível, precisava encontrar seus vilões, os verdadeiros culpados pela expansão da “peste”. Desta forma, os michês seriam bons culpados: teriam um comportamento eminentemente bissexual, servindo de vetores na transmissão entre a população homossexual e a chamada população em geral.

A constante veiculação da existência da prática da prostituição masculina provocou a imediata necessidade de definição das características deste grupo social específico: afinal de contas, como seria o michê? O termo, há muito usado nos meios homossexuais, passou a ganhar uma relativa transparência social e extrapolar os guetos. A imprensa, de uma maneira geral, ocupou-se de veicular um perfil do michê, contribuindo para satisfazer as fantasias e a curiosidade gerais: o michê seria um rapaz normalmente musculoso, esportista, bronzeado, com todas as características do típico playboy da zona sul carioca, Normalmente cobrariam bastante alto por suas transações, seriam extremamente viris e invejados pela maioria dos demais homens, o que se concretizaria na sua postura super macho man.

Logo em seguida, passa a ser veiculada uma nova visão do michê, a do assassino de homossexuais. Este ponto, primeiramente denuncia o comportamento homossexual dos michês, já que fica garantida a imagem de que grande parte dos clientes são homens; em seguida colabora para a construção do preconceito social, associando sua imagem a violência, quase sempre extrema, injustificada e com requintes de crueldade. Toda uma celeuma junto aos homossexuais, usuários ou não dos serviços do michê.

Nossa experiência de quase três anos com diferentes grupos de michês no Rio de Janeiro mostra uma realidade um pouco diferente. É necessária uma imediata desmistificação daquela imagem outrora divulgada, o michê não tem necessariamente a forma física descrita pela imprensa e desejada por muitos. Grande é a sua surpresa quando se constata que o michê pode ser qualquer rapaz, com ou sem o exagero do masculino e sem inatingibilidade dos deuses do Olimpo. Jovens com aparência típica de rapazes de subúrbio, sem roupas ou tênis de marcas famosas, algumas vezes com um certo estereótipo de meninos de rua também podem estar envolvidos na prostituição.

Importante esta constatação de que é difícil conceituar o grupo dos rapazes envolvidos na prostituição masculina. Certamente não há características que permitam uma definição do grupo ou mesmo de seus membros, tampouco de sua atividade. O contato direto os seus “favores sexuais” por muito menos do que se imagina ou por muito mais do que necessita. Passamos a ser contra uma delimitação específica ou uma definição à priori do grupo.

Não são poucas, contudo, as áreas em que se desenvolve a prostituição masculina no Rio. Algumas já famosas, como a Galeria Alaska, o Bar Maxim's, a Cinelândia, a Via Ápia. Outras que congregam as chamadas “marginalidades” e permitem, num contrato implícito, que a pegação se insinue e a michetagem permaneça. Por mais que sejam diferentes as características destas áreas e por mais personagens que participem deste cenário, certo é que ali sempre estão os atores principais: o michê e o cliente, que iniciam ali sua peça cujo epílogo quase sempre se dá na cama.

E é na cama que a delimitação exigida pode desfazer ou reforçar fantasias. Diz-se que “entre quatro paredes tudo é permitido”, embora isto seja muitas vezes negado. Pouco importa. Fato é que se consuma o prazer e que certamente este não é unilateral.

Grande parte das vezes é efêmera a permanência na prostituição, muitas destas o tempo suficiente para uma maior compreensão de sua própria sexualidade ou de outras fontes de renda. Soma-se a isto o desejo despertado no cliente, que tende a reduzir com o aumento da idade.

Muitas são também as diferenças entre os que optam pela prostituição nas ruas e pela chamada prostituição fechada, em saunas, casas de massagem, hot-lines e similares. A prostituição fechada pressupõe uma maior profissionalização da atividade, o que não é fácil para a maioria, que acaba optando pelas ruas.

Algumas curiosidades nos confirmam que a prostituição masculina não é um “fenômeno” assim tão problemático para muitas famílias. Durante nosso trabalho no Programa “Pegação” pudemos perceber que há uma forma de desenvolvimento da atividade que conta com a plena cumplicidade das famílias de muitos rapazes: as chamadas “casas de tias”. São casas, sempre nos subúrbios e periferia, administradas por homossexuais de uma certa idade (as “tias”) e nas quais os rapazes das redondezas se prostituem para clientes abonados da zona sul. Muitas vezes as famílias incentivam, levam os rapazes e consideram a atividade de “comer viado” uma boa forma de engordar a renda familiar sem comprometer a masculinidade de seus pupilos (por Paulo Henrique Longo).

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