domingo, 24 de maio de 2009

O mais belo dentre os imortais

As primeiras narrativas sobre Eros, mostram-no como um jovem belo e grave que concede grandes dádivas aos homens. Essa idéia que os antigos gregos faziam de Eros foi muito bem sintetizada por Platão: “O Amor – Eros – faz sua morada nos corações humanos, mas não em todos, pois se afasta sempre que ali percebe dureza. Sua maior glória está em sua incapacidade de fazer o mal, e de não permitir que ninguém o faça; a força nunca dele se aproxima, pois todos os homens o servem por sua livre vontade. E aquele que não foi tocado pelo Amor caminha na escuridão”.

Apesar da reverência, Platão não considerava Eros o deus do Amor, mas sim uma entidade intermediária entre os deuses e os homens, isto é, um elo de união entre o universo e o indivíduo. Para Platão, Eros é fruto da união entre Póros (Expediente) e Penía (Pobreza). Sua concepção aconteceu durante um banquete realizado no Jardim dos Deuses por ocasião do nascimento de Afrodite. Por conta dessa filiação, Eros vive a buscar o objeto que satisfará sua carência. Para isso, lança mão de expedientes a fim de alcançar seu objetivo, ou seja, a plenitude. Desse modo, antes se ser um deus poderoso, Eros, na acepção platônica, é uma energia eternamente insatisfeita e inquieta, ou, de acordo com
Junito de Souza Brandão
(Mitologia Grega – volume 1 – Editora Vozes), “uma carência sempre em busca de uma plenitude, um sujeito em busca do objeto”.

Para os contemporâneos de Platão, no entanto, Eros era a divindade do Amor. Amante de Psique, conquistou a inimizade dos homens por causa dos enredos amorosos que provocava. Entre os antigos romanos Eros passou a ser conhecido como Cupido. Na teogonia de Hesíodo, Eros era “aquele que é o Amor, o mais belo entre os imortais, que tira a força dos membros; aquele que em todos os deuses, em todos os mortais, sobrepuja a inteligência em seus peitos e retalha todos os seus planos”.

Para muitos, Eros se originou do Caos primitivo. Para outros, era associado a Afrodite como seu filho, tendo como pai o deus Ariés. Na mitologia grega, Afrodite era a deusa da beleza, da fertilidade e do Amor, não representanto apenas o amor sexual, mas também a afeição que sustenta (ou deveria sustentar) a vida social.

As primeiras representações artísticas de Eros não passam de simples pedras em estado quase bruto. Com o passar do tempo, Eros passa a ser representado por um belo jovem alado de traços pueris, normalmente despido, portando arco e flechas. Eventualmente aparece como um garoto brincalhão, lançando suas flechas em deuses e humanos, como demonstra uma das Odes atribuída ao poeta grego Anacreonte:

Um dia, lá pela meia-noite,
Quando a Ursa se deita nos braços do Boieiro,
E a raça dos mortais, toda ela, jaz, domada pelo sono,
Foi que Eros apareceu e bateu à minha porta.
"Quem bate à minha porta, e rasga meus sonhos"?
Respondeu Eros: "Abre", ordenou ele.
“Eu sou uma criancinha, não tenhas medo. Estou encharcado, errante, numa noite sem lu”.

Ouvindo-o, tive pena.
De imediato, acendendo o candeeiro,
Abri a porta e vi um garotinho:
Tinha um arco, asas e uma aljava.
Coloquei-o junto ao fogo
E suas mãos nas minhas.
Aqueci-o, espremendo a água úmida que lhe escorria dos cabelos.
Eros, depois que se libertou do frio,
"Vamos", disse ele,
"Experimentemos este arco, vejamos se a corda molhada não sofreu prejuízo".
Retesa o arco e fere-me no fígado,
Bem no meio, como se fora um aguilhão.
Depois, começa a saltar, às gargalhadas:
"Hospedeiro", acrescentou.
"Alegra-te. Meu arco está inteiro, teu coração, porém, ficará partido".


Diz-se que os deuses costumam conceder graças especiais aos amantes cuja coragem é inspirada pelo Amor. Por isso eles permitiram que Alceste retornasse do mundo dos mortos já que ela teve a coragem de morrer por amor ao seu marido. Da mesma maneira Aquiles foi agraciado e enviado para a Ilha do Abençoado porque colocou seu amor por Pátroclo acima de qualquer coisa. Mas os deuses não concederam a Orfeu graça igual. Quando este resolveu trazer sua esposa de volta à vida, entrou vivo no mundo dos mortos. Os deuses entenderam que ele não estava disposto a morrer por ela, então o ignoraram. Por tudo isso se diz que não há nenhuma espécie de coragem mais respeitada pelos deuses que aquela advinda do Amor.

Eros é o Amor que enfraquece os homens e também os deuses, dominando-lhes a mente e o espírito. É muito poderoso, pois resulta de uma combinação de forças que movimentam e regem o Universo. Desde que Eros surgiu, a libido passou a orientar a existência dos seres, trazendo todo tipo de benesses aos deuses e também aos homens. Há dois tipos de Amor. Um diz respeito ao corpo, outro diz respeito a alma. Ambos nos impele, através da libido, a nos realizarmos na ação, uma vez que é o Amor que, segundo
Junito de Souza Brandão (Mitologia Grega – volume 1 – Editora Vozes), atualiza as potencialidades do ser. Entretanto, a realização de nossas potencialidades somente ocorre mediante o contato com o outro, seja por meio de trocas materiais, espirituais ou sensíveis. Tais trocas, diz o referido autor, fatalmente provocam choques ou comoções de forças diferentes e contrárias que são integradas por Eros numa mesma unidade. Por tudo isso o Amor – Eros – é digno de celebração, uma vez que empresta ritmo e harmonia a nossas vidas, proporcionando-nos prazer e alegria (por Papillon e Coccinelle).

domingo, 17 de maio de 2009

Davi e Jônatas: uma história de amor entre iguais

O Senhor disse-lhe: “Até quando chorarás tu Saul, tendo-o eu rejeitado da realeza de Israel? Enche o teu corno de óleo. Vai! Envio-te a Isaí de Belém, porque escolhi um rei entre seus filhos”. Samuel respondeu: “Como hei de ir? Se Saul souber, matar-me-á”. O Senhor disse: “Levarás contigo uma novilha e dirás que vais oferecer um sacrifício ao Senhor. Convidarás Isaí ao sacrifício e eu te mostrarei o que deverás fazer. Ungirás para mim aquele que eu mandar”.

Fez Samuel como o Senhor queria. Ao chegar a Belém, os anciãos da cidade vieram-lhe ao encontro, inquietos: “É de paz a tua vinda?”, perguntaram-lhe. “Sim, disse ele; venho oferecer um sacrifício ao Senhor; purificai-vos para a cerimônia”. Ele mesmo purificou Isaí e seus filhos e os convidou ao sacrifício. Logo que entraram, Samuel viu Eliab e pensou consigo: “Certamente é esse o ungido do Senhor”. Mas o Senhor disse-lhe: "Não te deixeis impressionar pelo seu belo aspecto, nem pela sua alta estatura, porque eu o rejeitei. O que o homem vê não é o que importa: o homem vê a face, mas o Senhor olha o coração". Isaí chamou Abinadab e fê-lo passar diante de Samuel. "Não é tampouco este, pensou Samuel, que o Senhor escolheu". Isaí fez passar Sama. "Não é ainda este que escolheu o Senhor", pensou Samuel. Isaí mandou vir assim os seus sete filhos diante do profeta, que lhe disse: "O Senhor não escolheu nenhum deles". E ajuntou: "Estão aqui todos os teus filhos?" – "Resta ainda o mais novo, confessou Isaí, que está pastoreando as ovelhas". Samuel ordenou a Isaí: "Manda buscá-lo, pois não nos poremos à mesa antes que ele esteja aqui". E Isaí mandou buscá-lo. Ele era louro, de belos olhos e mui formosa aparência. O Senhor disse: "Vamos, unge-o: é ele". Samuel tomou o corno de óleo e ungiu-o no meio de seus irmãos. E, a partir daquele momento, o Espírito do Senhor apoderou-se de Davi. Samuel, porém, retomou o caminho de Ramá.

O Espírito do Senhor retirou-se de Saul, e um espírito mau veio sobre ele, enviado pelo Senhor. Os homens de Saul disseram-lhe: "Eis que um mau espírito de Deus veio sobre ti. Que nosso senhor ordene, e teus servos aqui presentes procurarão um homem que saiba tocar harpa e, quando o mau espírito de Deus estiver sobre ti, ele tocará o instrumento para acalmar-te". – "Está bem, respondeu Saul, procurai-me um bom músico e trazei-mo". Um dos servos declarou: "Conheço um filho de Isaí de Belém que sabe tocar muito bem: é valente e forte, fala bem, tem um belo rosto, e o Senhor está com ele". Saul mandou mensageiros a Isaí, para dizer-lhe: "manda-me o teu filho Davi, o pastor". Isaí tomou um jumento carregado com pão, um odre de vinho e um cabrito, e mandou esses presentes a Saul, por seu filho. Davi chegou à casa do rei e apresentou-se a ele. Saul afeiçoou-se a Davi e o fez seu escudeiro. Mandou então dizer a Isaí: "Peço-te que deixes Davi a meu serviço, porque ele me é simpático". E sempre que o espírito mau de Deus acometia o rei, Davi tomava a harpa e tocava. Saul acalmava-se, sentia-se aliviado e o espírito mau o deixava (1Sm 16,1-13).

Tendo Davi passado a freqüentar a casa de Saul, a alma de Jônatas, apegou-se à alma de Davi, e Jônatas começou a amá-lo como a si mesmo. Saul o reteve em sua casa e não o deixou voltar para a casa do seu pai. Jônatas fez um pacto com Davi, que ele amava como a si mesmo. Tirou o seu manto, deu-o a Davi, bem como a sua armadura, sua espada, seu arco e seu cinto. Saul incumbiu Davi de diversas missões, e todos foram muito frutuosas. Colocou-o à frente dos seus guerreiros, e ele ganhou a simpatia de todo o povo, inclusive dos servos do rei (1Sm 18,1-5). Por causa disso, Saul olhou Davi com maus olhos (1Sm 19,9).

Saul falou ao seu filho Jônatas e a todos os servos, ordenando-lhes que matassem Davi. Mas Jônatas que tinha grande afeição por Davi, preveniu-o disso: "Saul, meu pai, procura matar-te. Está de sobreaviso amanhã cedo; esconde-te. Sairei em companhia de meu pai ao campo onde estiveres. Falar-lhe-ei de ti, para ver o que ele diz, e te avisarei depois". Jônatas falou bem de Davi ao seu pai, e ajuntou: "Que o rei não faça mal algum ao seu servo Davi, pois que ele nunca te fez mal algum. Ao contrário, prestou-te grandes serviços. Arriscou a sua vida para matar o filisteu, e o Senhor deu uma grande vitória a Israel. Foste testemunha disso e te alegraste. Por que queres pecar contra um sangue inocente, matando Davi sem motivo?" Saul ouviu a voz de Jônatas, e fez este juramento: "Pela vida do Senhor, Davi não morrerá!" Então Jônatas chamou Davi e contou-lhe tudo isso. Levou-o em seguida a Saul, para que ele retomasse o seu lugar como dantes. Tendo recomeçado a guerra, marchou Davi contra os filisteus, combatendo-os e infligindo-lhes uma grande derrota, e eles fugiram diante dele. O mau espírito do Senhor, porém, veio novamente sobre Saul. Estava ele sentado em sua casa com a lança na mão; Davi tocava cítara. Saul, então, arremessou-lhe a lança, procurando cravá-lo na parede; Davi desviou-se e a lança foi cravar-se na parede. Davi esquivou-se e fugiu naquela mesma noite (1Sm 19,1-10).

Partiu Davi de Naiot, perto de Ramá, e veio ter com Jônatas. Disse-lhe: "Que fiz eu? Qual é o meu crime, e que mal fiz ao teu pai, para que ele queira matar-me?" – "Não, respondeu Jônatas, tu não morrerás! Meu pai não faz coisa alguma, grande ou pequena, sem me dizer. Por que ocultaria isso? Não é possível!" Mas Davi insistiu com juramento: "Teu pai bem sabe que eu te sou simpático, e por isso deve ter pensado: que Jônatas não o saiba, para que não se entristeça demasiado. Por Deus e pela tua vida, há apenas um passo entre mim e a morte!"

Jônatas respondeu-lhe: "Que queres que eu faça? Eu o farei". – "Amanhã, disse Davi, é lua nova, e eu devia jantar à mesa do rei. Deixa-me partir; ocultar-me-ei no campo até a tarde do terceiro dia. Se teu pai notar minha ausência, dir-lhe-ás que te pedi licença para ir até Belém, minha cidade natal, onde toda minha família oferece sacrifício anual. Se ele disser que está bem, o teu servo nada terá a temer; mas se ele, ao contrário, se irritar, fica sabendo que ele decretou a minha perda. Mostra-te amigo para com teu servo, pois que fizeste um pacto comigo em nome do Senhor. Se eu tenho alguma culpa, mata-me tu mesmo; por que fazer-me comparecer diante do teu pai?" Jônatas disse-lhe: "Longe de ti tal coisa! Se eu souber que de fato meu pai resolveu perder-te, juro que te avisarei". – "Mas quem me informará, perguntou Davi, se teu pai te responder duramente?"

"Vamos ao campo", disse-lhe Jônatas. E foram ambos ao campo. Então Jônatas falou: "Por JAVÉ, Deus de Israel! Amanhã ou depois de amanhã sondarei meu pai. Se tudo for favorável a ti e eu não te avisar, então o Senhor me trate com todo o seu rigor! E se meu pai te quiser fazer mal, avisar-te-ei da mesma forma; deixar-te-ei então partir e poderás estar tranqüilo. Que o Senhor esteja contigo, como esteve com meu pai! Mais tarde, se eu for ainda vivo, conservar-me-ás tua amizade do Senhor. Mas, se eu morrer, não retireis jamais a tua benevolência de minha casa, nem mesmo quando o Senhor exterminar da face da terra todos os inimigos de Davi!" Foi assim que Jônatas fez aliança com a casa de Davi e o Senhor vingou-se dos inimigos de Davi. Jônatas conjurou ainda uma vez a Davi, em nome da amizade que lhe consagrava, pois o amava de toda a sua alma. "Amanhã, continuou Jônatas, é lua nova, e notarão a tua ausência. Descerás, pois, sem falta, depois de amanhã ao lugar onde te escondeste no dia do ajuste, e ficarás junto à pedra de Ezel. Atirarei três flechas para o lado da pedra como se visasse a um alvo. Depois mandarei meu servo buscar as flechas. Se eu gritar-lhe: Olha! Estão atrás de ti, apanha-as! Então poderás vir, porque tudo é favorável, e não há mal algum a temer, por Deus! Se, porém, eu disser ao rapaz: Olha! As flechas estão diante de ti, um pouco mais longe. Então foge, porque essa é a vontade de Deus. Quanto à palavra que nos demos um ao outro, o Senhor seja testemunha entre nós para sempre".

Davi escondeu-se no campo. No dia da lua nova, o rei pôs-se à mesa para comer, sentando-se, como de costume, numa cadeira junto à parede. Jônatas levantou-se para que Abner pudesse sentar-se ao lado de Saul, e o lugar de Davi ficou desocupado. Naquele dia Saul não disse nada. "Algo aconteceu-lhe, pensou ele; provavelmente não está puro; deve ter contraído alguma impureza". No dia seguinte, segundo dia da lua, o lugar de Davi continuava vazio. Saul disse ao seu filho Jônatas: "Por que o filho de Isaí não veio comer, nem ontem nem hoje?" – "Davi pediu-me com instâncias, respondeu Jônatas, par ir a Belém. Disse-me: deixa-me ir, rogo-te, porque temos na cidade um sacrifício de família, ao qual meu irmão me convidou. Se me queres dar um prazer, permite-me que vá rever meus irmãos. Por isso não veio ele à mesa do rei".

Então Saul encolerizou-se contra Jônatas: "Filho de uma prostituta, disse-lhe, não sei eu porventura que és amigo do filho de Isaí, o que é uma vergonha para ti e para tua mãe? Enquanto viver esse homem na terra, não estarás seguro, nem tu nem o teu trono. Vamos! Vai buscá-lo e traze-mo; ele merece a morte!" Jônatas respondeu ao seu pai: "Por que deverá ele morrer? Que fez ele?" Saul brandiu sua lança para feri-lo, e Jônatas viu que a morte de Davi era coisa decidida pelo seu pai. Furioso, deixou a mesa sem comer naquele segundo dia da lua. As injúrias que seu pai tinha proferido contra Davi tinham-no afligido profundamente.

Na manhã seguinte, Jônatas saiu ao campo e foi ao lugar combinado com Davi, acompanhado de um jovem servo. "Vai, disse ele, e traze-me as setas que vou atirar". Mas, enquanto o rapaz corria, Jônatas atirava outra flecha mais para além dele. Quando chegou ao lugar da flecha, Jônatas gritou-lhe: "Não está a flecha mais para lá de ti?" E ajuntou: "Vamos, apressa-te, não te demores". O servo apanhou a flecha e voltou ao seu senhor; e de nada suspeitou, porque só Jônatas e Davi conheciam o ajuste. Depois disso, entregou Jônatas suas armas ao rapaz, dizendo-lhe: "Vai, leva-as para a cidade". Logo que ele partiu, deixou Davi o seu esconderijo e curvou-se até a terra, prostrando-se três vezes; beijaram-se mutuamente, chorando, e Davi estava ainda mais comovido que o seu amigo. Jônatas disse-lhe: "Vai em paz, agora que demos um ao outro nossa palavra com esse juramento: o Senhor seja para sempre testemunha entre ti e mim, entre a tua posteridade e a minha".

Davi partiu, e Jônatas voltou para a cidade (1Sm 20, 1-43).

Por aquele tempo , os filisteus mobilizaram suas tropas em um só exército para combater contra Israel (1Sm 28, 1). Os filisteus investiram contra Saul e seus filhos, matando Jônatas, Abinadab e Melquisua, filhos de Saul. A violência do combate concentrou-se contra Saul. Os arqueiros descobriram-no e ele foi ferido no ventre. Disse ao seu escudeiro: "Tira a tua espada e traspassa-me, para que não o venham fazer esses incircuncisos, ultrajando-me!" Mas o escudeiro não o quis fazer, porque se apoderou dele um grande terror. Então tomou Saul a sua espada e jogou-se sobre ela. O escudeiro, vendo que Saul estava morto, arremessou-se também ele sobre a sua espada e morreu com ele. Assim morreram naquele mesmo dia, Saul e seus três filhos, seu escudeiro e todos os seus homens. Os israelitas que moravam além do vale e além do Jordão, vendo a derrota do exército de Israel e a morte de Saul com seus filhos, abandonaram as suas cidade e fugiram; e os filisteus vieram e estabeleceram-se nelas (1Sm 31, 2-6).

Depois da morte de Saul, Davi esteve dois dias em Siceleg. Ao terceiro dia, um homem informou-lhe da morte de Saul e seus três filhos. Compôs então Davi o seguinte cântico fúnebre sobre Saul e seu filho Jônatas, ordenando que fosse ensinado aos filhos de Judá. É o Canto do Arco, que está escrito no Livro do Justo.

"Tua flor, Israel, pereceu nas alturas! Como tombaram os heróis? Não anuncieis em Get nem o publiqueis nas ruas de Ascalon, para que não exultem as filhas dos filisteus, para que não se regozijem as filhas dos incircuncisos. Montanhas de Gelboé, não haja sobre vós nem orvalho nem chuva! Campos assassinos, onde foi maculado o escudo dos heróis! O escudo de Saul estava ungido não com óleo, mas, com o sangue de feridos, com a gordura de guerreiros, o arco de Jônatas jamais recuou, a espada de Saul jamais brandiu em vão! Saul e Jônatas, amáveis e encantadores, nunca se separaram, nem na vida nem na morte, mais velozes do que as águias, mais fortes do que os leões! Filhas de Israel, chorai por Saul, que vos vestia de púrpura suntuosa, e ornava de ouro vossos vestidos. Como caíram os heróis? Em pleno combate Jônatas tombou sobre as tuas colinas. Jônatas, meu irmão, por tua causa meu coração me comprime! Tu me eras tão querido! Tua amizade me era mais preciosa que o amor das mulheres” (Fonte: 2Sm 1, 17-27).

domingo, 10 de maio de 2009

O erotismo 1

Esta semana esse cantinho recebeu uma colaboração de uma borboletinha pra lá de especial e ainda por cima falando de erotismo. Uau!!! Vamos, então, ao texto da Papi.

O erotismo é sensual, é travesso, libidinoso, desregrado, como tudo que é relativo ao amor. Tem um caráter de lirismo amoroso; tudo que nos conduz ao prazer sexual ou que sugere. O erotismo é o grande prazer dos sentidos, grande prazer sexual. Todo indivíduo erótico é inspirado ou provocado pelo erotismo, torna-se sensual, despertando mil prazeres nos cinco sentidos. Erotismo tem libido, um instinto ou desejo sexual notável. Para a Psicanálise essa libido é a energia motriz dos instintos da vida, de toda a conduta ativa e criadora do homem. O erotismo faz parte do conjunto de fenômenos da vida sexual. O erotismo caracteriza o sexo, avigora as relações. Não se deve confundir o erotismo com a pornografia sendo essa essencialmente de coisas ou assuntos obscenos ou licenciosos, capazes de motivar ou explorar o lado sexual do indivíduo provocando devassidão e libidinagem. O erotismo é doce e sensível, meigo afável, suave, ameno e afetuoso. É brando, benigno, atraente e muito delicioso. É através do erotismo que descobrimos novas maneiras de transformar nossa vida sexual. O erotismo traz frescor para a relação entre pessoas que se desejam. Não importa sua orientação sexual, seu estado civil, seu credo, sua raça. O que importa é viver intensamente uma relação, buscando o prazer que podemos ter ou causar com a dose ousada de erotismo. Ser criativo e inovar sempre é uma dica básica do erotismo. Deixe, então, aflorar o seu erotismo e seja feliz (por Papillon).

domingo, 3 de maio de 2009

Sou um estrangeiro nesse mundo

Sou um estrangeiro, e há na vida do estrangeiro uma solidão pesada e um isolamento doloroso. Sou assim levado a pensar sempre numa pátria encantada que não conheço, e a sonhar com os sortilégios de uma terra longínqua que nunca visitei.

Sou um estrangeiro para meus parentes e amigos. Quando encontro um deles, penso:”Quem é ele? Onde o encontrei? Que me une a ele? Por que me aproximo dele e o freqüento?”

Sou um estrangeiro para minha alma. Quando minha língua fala, meu ouvido estranha-lhe a voz. Quando meu Eu interior ri ou chora, ou se entusiasma, ou treme, meu outroEu estranha o que ouve e vê, e minha alma interroga minha alma. Mas permaneço desconhecido e oculto, velado pelo nevoeiro, envolto no silêncio.

Sou um estrangeiro para o meu corpo. Todas as vezes que me olho num espelho, vejono meu rosto algo que minha alma não sente, e percebo nos meus olhos algo que minhas profundezas não reconhecem.

Quando caminho nas ruas da cidade, os meninos me seguem, gritando: “Eis o cego,demos-lhe um cajado que o ajude”. Fujo deles. Mas encontro outro grupo de raparigas que me seguram pelas abas da roupa, dizendo: “É surdo como uma pedra. Enchamos seus ouvidos com canções de amor e desejo”. Deixo-as, correndo. Depois, encontro um grupo de homens que me cercam, dizendo: “É mudo como um túmulo, vamos endireitar-lhe a língua”. Fujo deles com medo. E encontro um grupo de velhos que apontam para mim com dedos trêmulos, dizendo: “É um louco que perdeu a razão ao freqüentar as fadas e os feiticeiros”.

Sou um estrangeiro, e já percorri o mundo do Oriente ao Ocidente sem encontrar minhaterra natal, nem quem me conheça ou se lembre de mim.

Acordo pela manhã, e acho-me prisioneiro num antro escuro, freqüentado por cobras einsetos. Se sair à luz, a sombra do meu corpo me segue, e as sombras de minha alma maprecedem, levando-me aonde não sei, oferecendo-me coisas de que não preciso, procurando algo que não entendo. E quando chega a noite, volta para casa e deito-me numa cama feita de plumas de avestruz e de espinhos dos campos.

Idéias estranhas atormentam minha mente, e inclinações diversas, perturbadoras,alegres, dolorosas, agradáveis. À meia-noite, assaltam-me fantasmas de tempos idos. E almas de nações esquecidas me fitam. Interrogo-as, recebendo por toda a resposta um sorriso. Quando procuro segura-las, fogem de mim e desvanecem-se como fumaça.

Sou um estrangeiro neste mundo. Sou um estrangeiro, e não há no mundo quem conheça uma única palavra do idioma da minha alma.

Caminho pela selva inabitada, e vejo os rios correrem e subirem do fundo do vale aocume da montanha. E vejo as árvores desnudas se cobrirem de folhas, e florirem, e frutificarem, e perderem suas folhas num só minuto. Depois, suas ramas caem no chão e se transformam em cobras pintalgadas.

E as aves do céu voam, pousam, cantam gorjeiam e depois param, abrem as asas eviram mulheres nuas, de cabelo solto e pescoços esticados. E olham para mim comsensualidade. E estendem suas mãos brancas e perfumadas. Mas, de repente, estremecem e somem como nuvens, deixando o eco de risos irônicos.

Sou um estrangeiro neste mundo. Sou um poeta que põe em prosa o que a vida põe em verso, e em versos o que a vidapõe em prosa. Por isto, permanecerei um estrangeiro até que a morte me rapte e me leve para minha pátria...
*
(por Gibran Khalil Gibran – Trecho extraído de Temporais)