domingo, 27 de fevereiro de 2011

Pelo desarquivamento e pela aprovação do PLC 122/2006

Se você concordar com o conteúdo da carta abaixo reproduzida, passe adiante, envie-a ao candidato/a que você ajudou a eleger. É fácil. Basta entrar no sítio da Câmara dos Deputados (clique AQUI), acessar a aba DEPUTADOS, em seguida clicar em CONHEÇA OS DEPUTADOS e, por fim, escolher o nome do seu/sua deputado/a, clicar em PESQUISAR e enviar sua solicitação, no caso a carta abaixo. O mesmo procedimento pode ser feito no sítio do Senado Federal (clique AQUI). Clique na aba SENADORES e, em seguida, escolha o nome daquele/a que você ajudou a eleger. A participação política não se restringe ao ato de votar. Participar politicamente significa, também, fiscalizar as ações dos nossos representantes e cobrar deles/delas o compromisso que estabeleceram com os/as eleitores/as durante a campanha. A aprovação do PLC 122/2006 é de fundamental importância para o combate à intolerância, à promoção da inclusão da população LGBTT e, por conseguinte, para o fortalecimento da democracia. Faça valer a sua vontade. Vamos ajudar a construir uma sociedade mais justa, igualitária e mais democrática (por Coccinelle).

Carta aberta aos senadores e senadoras – Dia 1º de fevereiro começou a nova legislatura do Congresso Nacional. A população brasileira de lésbicas, gays, travestis e transexuais, seus familiares, amigos(as) e aliados(as), esperam muito dos deputados e deputadas, senadores e senadoras que ora iniciam seus trabalhos legislativos.

O Congresso Nacional tem uma dívida com milhões de brasileiros e brasileiras. A Constituição, publicada há 22 anos, afirma textualmente, no seu artigo 5º, que todos são iguais perante a lei. No artigo 3º, proíbe qualquer tipo de discriminação. Mas, a legislação brasileira não se adequou, duas décadas depois, aos preceitos constitucionais.

Não existe ainda nenhuma lei que assegure a igualdade dos direitos civis à comunidade LGBT. Dezenas de direitos ainda nos são negados apenas em virtude de nossa orientação sexual ou de nossa identidade de gênero.

Essa falta de proteção legal e reconhecimento dos direitos LGBT certamente contribui com o fenômeno da homofobia, que se apresenta de diferentes formas, da violência verbal e simbólica, até a agressão física e assassinatos.

Temos assistido nos últimos meses ao recrudescimento de manifestações homofóbicas, a exemplo do que ocorreu recentemente em São Paulo, no Rio de Janeiro, no Ceará e no Paraná e, segundo levantamento do GGB (Grupo Gay da Bahia), a um aumento dos assassinatos em função da vulnerabilidade LGBT, sobretudo das travestis.

Para enfrentar a homofobia cultural e garantir a proteção à população LGBT, há dez anos a então deputada Iara Bernardi apresentou o PL 5003, que instituía algumas penalidades a atitudes discriminatórias. A redação do projeto foi depois alterada e ampliado seu escopo, quando, em agosto de 2006, foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, substitutivo do então deputado Luciano Zica. No final do mesmo ano, o plenário da Câmara, por meio de acordo de lideranças, aprovou-o em definitivo naquela Casa.

Enviado ao Senado, o então PLC ganhou o número 122, e assim se tornou conhecido nacionalmente (“criminalização da homofobia”) , quando começou a tramitar na Comissão de Direitos Humanos, com a relatoria da então Senadora Fátima Cleide, que deu parecer favorável à sua aprovação.

A partir daí, um intenso debate tomou conta do Senado e da sociedade brasileira. O PLC foi alvo de pesadas críticas de alguns setores religiosos fundamentalistas. Essas críticas, em sua maioria, não têm nenhuma base laica ou jurídica, ignorando o princípio da laicidade do Estado. São, no geral, fruto de uma tentativa equivocada de transpor para o espaço público argumentos religiosos, principalmente bíblicos, em uma leitura absolutamente literalista e conservadora.

Senadores e Senadoras:

O PLC 122, diferentemente do que às vezes é divulgado, não atenta nem contra a liberdade de expressão, nem contra a liberdade religiosa. O que o projeto visa a coibir são manifestações notadamente discriminatórias, ofensivas ou de desprezo. Manifestações que induzam ou legitimem o ódio, ou que igualem a homossexualidade à doença. Particularmente, o projeto visa a proibir os discursos que incitem a violência contra lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais.

Com o intuito de deixar mais claro que não se trata de “privilégio” ou de perseguição religiosa, ou de agravamento penal excessivo, a então senadora Fátima Cleide apresentou um substitutivo, tecnicamente mais rigoroso e que, inclusive, ampliou o escopo do PLC 122 para punir outras formas de discriminação.

A nova redação do projeto, aprovada em 10.11.2009, pela Comissão de Assuntos Sociais do Senado, acrescenta também a proibição de discriminar idosos e pessoas com deficiência. O novo caput da lei é o seguinte:

“Define os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião, origem, condição de pessoa idosa ou com deficiência, gênero, sexo, orientação sexual ou identidade de gênero.”

As Conferências Nacionais de Direitos Humanos, Educação, Segurança Pública, LGBT, entre outras, aprovaram moções de apoio à aprovação do PLC 122/2006, e seu propósito de combater a discriminação contra LGBT se encontra respaldado pelo Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos de LGBT e pelo Programa Nacional de Direitos Humanos III.

Infelizmente, com a chegada da nova legislatura, o PLC 122/2006 foi arquivado, por determinação do regimento do Senado.

Portanto, a ABGLT – Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, entidade de abrangência nacional com 237 organizações congêneres afiliadas e também credenciada junto ao Conselho Econômico e Social das Nações Unidas, vem por meio desta carta aberta solicitar aos senadores e às senadoras da legislatura que ora se inicia que:

- apóiem o desarquivamento do PLC 122, permitindo que o debate seja feito pelo Senado e também aprofundado pela sociedade brasileira.

- debatam o projeto e votem favoravelmente à sua aprovação, nas Comissões e no Plenário do Senado

- que integrem a Frente Parlamentar pela Cidadania LGBT

Na expectativa de contarmos com o apoio do Senado para combater todas as formas de discriminação e violência, agradecemos antecipadamente.

ABGLT – Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Pólvora e Poesia

Ressoa em minhas entranhas, feito o eco na imensidão, uma sonora e silenciosa canção. “Que venha, que venha a hora da paixão”. Mas do que estou a falar? Falo do desejo, essa fome insana que jamais cessa. Apetite voraz, que nos impele à ação. Apetite sensível, que agrada aos sentidos, tato, audição, paladar, olfato, visão. Desejo que atormenta quando o furor não se derrama em deleite. Desejo que alimenta o corpo e o espírito quando bocas, línguas, mãos, pernas e braços se entrelaçam sem medo, sem razão. Ó agitação de minha alma, a ti meu tesouro foi entregue! Nada mais posso fazer. Só me resta fugir para o inferno, o paraíso do meu ser.

Em filosofia, o desejo é uma tensão em direção a um fim considerado pela pessoa que deseja como uma fonte de satisfação. É uma tendência algumas vezes consciente, outras vezes inconsciente ou reprimida. Quando consciente, o desejo é uma atitude mental que acompanha a representação do fim esperado, o qual é o conteúdo mental relativo a tal atitude. Enquanto elemento apetitivo, o desejo se distingue da necessidade fisiológica ou psicológica que o acompanha por ser o elemento afetivo do respectivo estado fisiológico ou psicológico. Tradicionalmente, o desejo pressupõe carência, indigência. Um ser que não caressesse de nada não desejaria nada, seria um ser perfeito, um deus. Por isso Platão e os filósofos cristãos tomam o desejo como uma característica de seres finitos e imperfeitos. Sejamos, pois imperfeitos! E demos vivas a imperfeição! Assim viveu Arthur Rimbaud. Assim se perdeu e se achou Paul Verlaine. Ambos poetas, ambos franceses, ambos escravos do desejo e da paixão. E é precisamente sobre o desejo e a paixão que uniram Rimbaud e Verlaine que discorre o espetáculo Pólvora e Poesia, dirigido pelo sempre excelente Fernando Guerreiro e interpretado pelos magníficos Talis Castro (Arthur Rimbaud) e Caio Rodrigo (Paul Verlaine).

Provocante, ousado e intenso, como provocante, ousada e intensa foi a relação amorosa de Rimbaud e Verlaine, o espetáculo suscita diversas emoções e algumas reflexões. De acordo com uma atenta espectadora, “Pólvora e Poesia é um incrível e muito forte espetáculo. Eu não tinha conhecimento da biografia de Paul Verlaine e Arthur Rimbaud além das poucas citações feitas dos seus nomes como poetas na minha época de aluna de francês. Fiquei surpresa com o que descobri e aprendi muito sobre eles com essa peça. Nunca tinha visto um espetáculo tratar uma relação amorosa homossexual de maneira tão pura e intensa, como foi mostrado. Diria que esse foi um espetáculo de muita emoção e feito com a alma! Saí satisfeita com as ótimas interpretações dos atores e admirada com o fantástico trabalho de corpo por eles apresentados. Estão de parabéns! Ótima movimentação de palco! Impressionante como eles conseguem aproveitar aquela mesa e resignificá-la! Apesar de ser um texto denso, o público fica a todo tempo atendo. São cenas surpreendentes de deixar o queixo caído e fazer com que as pessoas pensem nos seus conceitos e preconceitos. Mesmo sabendo que o momento histórico ali apresentado era outro, sabemos que os preconceitos ainda são os mesmos”.

Ser reflexivo, ao menos para mim, é a principal característica de grandes espetáculos teatrais, de grandes livros e filmes. A primeira das reflexões que me ocorreram enquanto assistia ao espetáculo diz respeito, como não poderia deixar de ser, ao próprio desejo, essa força que não pode ser detida ou contida, por mais que se tente. Cedo ou tarde ele aflora e quando isso acontece, não há razão ou amarra forjada pelos códigos da tão referenciada e reverenciada civilidade que possa detê-lo. O melhor a se fazer é aprender a lidar com essa força, antes que ela vire um tormento ou uma doença, como é o caso da homofobia, por exemplo. Outra reflexão que o espetáculo suscita e a que, particularmente, me chamou mais atenção foi a questão do medo.

Verlaine era um homem bem situado na sociedade francesa do século XIX. Gozava de grande prestígio entre seus pares e, como convinha aos homens bem situados, e a todos que pretendiam ser, ele, também, era casado e pai de um filho. Tudo transcorria conforme os ditames da chamada “boa civilização” até que apareceu na vida do nobre poeta francês um furacão que atendia pelo nome de Rimbaud. Belo, jovem, audacioso, avesso às convenções e profundo admirador das poesias de Verlaine, Rimbaud o convidou a viverem juntos uma longa temporada no inferno do desejo. O estabelecido Verlaine rapidamente se converteu num outsider. Sua vida transmutou-se num furioso mar de alegria, tristeza e medo. Alegria por viver um amor intenso e libertador, que poucos têm a sorte de viver. Tristeza e medo por repudiar as consequências não desejadas que todos aqueles que ousam transgredir as regras enfrentam, isto é, desprezo, escárnio, ódio, entre outras emoções devastadoras. Ao contrário de Rimbaud, Verlaine foi um homem dividido. Não devemos julgá-lo por isso, afinal, quantos de nós evitam viver certas emoções, calam ou sufocam certos desejos e sentimentos por puro medo de ser mal entendido, mal interpretado, rejeitado ou, simplesmente, ignorado?

Como escreveu Coccinelle: “Desde crianças ouvimos conselhos que nos ensinam a ter cuidado. Cuidado com o nosso corpo, nossa alimentação, com as nossas palavras, nossos pensamentos, nossos sentimentos e desejos. Passamos a vida a ter cuidado. Mas tanto cuidado acaba abrindo caminho para o medo. Medo de doenças, da velhice, de insetos nojentos, medo do escuro, de nossas palavras, pensamentos, sentimentos, desejos, do diferente, da vida, enfim. São tantos os medos aprendidos e apreendidos ao longo de nossa existência que, por vezes, esquecemos de viver”. Esse não foi o caso de Rimbaud e Verlaine, já que eles viveram intensamente os versos de amor que escreveram juntos. Mas é o caso de muitos leitores dessas linhas, de tantos outros que, porventura, venha a ler esse texto e, de certo, daqueles que o escreveram (por Coccinelle e Sílvio Benevides com a colaboração de Gina Carla Reis).

O Cantinho de Coccinelle aproveita a ocasião para homenagear mais uma vez a poesia e o amor por meio dos versos O mundo é grande, do Carlos Drummond de Andrade, e Canção da torre mais alta, do Arthur Rimbaud. Trata-se do mesmo Poema Falado publicado em junho do ano passado. Boa áudio-leitura!


PÓLVORA E POESIA – Texto: Alcides Nogueira. Direção: Fernando Guerreiro. Elenco: Caio Rodrigo e Talis Castro. Assistência de direção e preparação de elenco: Hilda Nascimento. Assessoria coreográfica: Lucas Tanajura. Direção musical e guitar man: Juracy do Amor. Iluminação: Irma Vidal. Cenografia: Rodrigo Frota. Figurino: Hamilton Lima. Cabelo e maquiagem: Deo Carvalho. Produção executiva: Xanda Fontes. O espetáculo esteve em cartaz até 20 de fevereiro. Espero que retorne, pois as paragens baianas carecem de bom gosto e qualidade. Vamos aguardar o pós-Momo. Voilá!

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Muitos projetos e pouca efetividade

Muitos projetos e planos, mas pouca efetividade. A pesquisa Políticas públicas para a população LGBT no Brasil: um mapeamento crítico preliminar, desenvolvida pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas em Gênero e Sexualidade da Universidade Federal de Goiás (Ser-tão/UFG), revela um país que, apesar das inúmeras discussões e propostas voltadas para a ampliação dos direitos da população LGBT, ainda não consegue dotá-los de maior proteção ou igualdade de direitos.

O estudo levou aproximadamente dois anos para ser concluído. O propósito foi mapear políticas públicas para esse segmento populacional em áreas como educação, saúde, segurança e trabalho, assistência e previdência social. Foram realizadas também 95 entrevistas, com representantes da sociedade civil e gestores públicos.

Em entrevista ao CLAM, o sociólogo Luiz Mello, coordenador da pesquisa, comenta o panorama das políticas públicas brasileiras em nível federal, estadual e municipal e analisa as perspectivas políticas diante da eleição de um novo governo, a ser iniciado em 2011.

Quais os setores e áreas que o senhor considera mais carentes e mais avançados? Qual a avaliação geral que o senhor faz a respeito das políticas públicas brasileiras voltadas para o segmento LGBT?

Nunca se teve tanto e o que há é praticamente nada. Essa talvez seja uma boa fórmula geral para mostrar o paradoxo da situação dos direitos da população LGBT no Brasil hoje. Já existem, desde 2002, planos e projetos a partir dos quais se tem pensado políticas públicas para estes segmentos, como o Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (PNPCDH-LGBT), elaborado a partir das propostas aprovadas na I Conferência Nacional LGBT (2008) e o Programa Nacional de Direitos Humanos III, ambos de 2010. Todavia, a falta de efetividade das poucas políticas públicas voltadas para a população LGBT ainda se manifesta em praticamente todas as áreas da atuação governamental, nos três níveis do Poder Executivo (federal, estadual e municipal), especialmente em face de quatro fatores fundamentais, entre outros: a) ausência de respaldo jurídico que assegure sua existência como políticas de Estado, livres das incertezas decorrentes das mudanças na conjuntura política, da LGBTfobia institucional e das pressões LGBTfóbicas de grupos religiosos fundamentalistas; b) dificuldades de implantação de modelo de gestão que viabilize a atuação conjunta, transversal e intersetorial de órgãos dos governos federal, estaduais e municipais, contando com a parceria de grupos organizados da sociedade civil; c) carência de previsão orçamentária específica, materializada no Plano Plurianual (PPA), na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e na Lei Orçamentária Anual (LOA); e d) reduzido número de servidoras públicas especializadas, integrantes do quadro permanente de técnicas dos governos, responsáveis por sua formulação, implementação, monitoramento e avaliação.

Nas seis áreas de atuação privilegiadas na pesquisa, talvez se possa dizer que há carências profundas de ações nas áreas de trabalho, previdência social e assistência social, ao passo que as ações de maior alcance estão no âmbito da saúde, seguramente por influência do histórico de pressão do movimento LGBT em decorrência da epidemia de hiv-aids e, mais recentemente, das demandas de travestis e transexuais por atendimento médico especializado que viabilize as modificações corporais que tornem suas escolhas de gênero mais confortáveis em termos físicos e existenciais. Por outro lado, nas áreas de educação e segurança já se começa a contar com algumas ações importantes, especialmente no âmbito da capacitação de profissionais para o combate à LGBTfobia, embora ainda sejam incipientes, pontuais e sem uma política que assegure sua continuidade.

Como avalia iniciativas municipais voltadas para esta população?

Ainda são raras, pouco transversalizadas e intersetorializadas e com efetividade reduzida, da mesma maneira como ocorre nas esferas estadual e federal. A título de ilustração, vale destacar que a última Pesquisa de Informações Básicas Municipais – MUNIC, realizada em 2009 e divulgada em 2010 pelo IBGE, mostra que dos 5.565 municípios brasileiros, apenas 130 desenvolvem ações e programas voltados para a população LGBT, o que corresponde a 2,3%, do total, embora alcance aproximadamente 24,9% da população brasileira, considerando que as ações são implementadas na maior parte das vezes em municípios mais densamente povoados. Por outro lado, a mesma pesquisa também aponta que, no âmbito das unidades da federação que integraram o recorte geográfico da pesquisa realizada pelo Ser-Tão (Amazonas, Ceará, Distrito Federal, Goiás, Pará, Paraná, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, São Paulo), os estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, Rio Grande do Sul e Ceará são os que possuem um número mais expressivo de municípios com iniciativas voltadas para a população LGBT, ainda que tal número seja quase insignificante em termos absolutos. Por fim, note-se que, ainda segundo a MUNIC, 0,43% dos municípios possuem centros de atendimento especializado para a população LGBT e apenas quatro dos 5.565 municípios brasileiros contam com Conselho de Direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais.

Nos últimos anos, em nível federal, houve iniciativas ou tentativas consideráveis de discussão e de implementação de medidas voltadas para a população LGTB: uma Conferência Nacional LGBT e um programa de Direitos Humanos (PNDH-3) que buscaram ampliar direitos desse público, e iniciativas como a recente permissão de inclusão do companheiro ou companheira gay como dependente no Imposto de Renda. No entanto, muitas decisões, como a adoção de crianças por casais homossexuais, ainda são alcançadas por meio da Justiça. De que forma o senhor analisa esse processo de avanços no qual os direitos ainda são em grande medida facultados por um juiz?

É uma tragédia – não existe outra palavra – que os direitos civis de milhões de pessoas estejam à mercê da boa vontade, liberalidade e humor de juízes. Além disso, recorrer ao Poder Judiciário é uma experiência longa, cara e que pressupõe dos demandantes uma capacidade de assumir sua homossexualidade a ponto de terem coragem – esta é a palavra, por mais que possa parecer exagero – para reivindicar pela via judicial seus direitos. O Judiciário não foi feito para legislar, mas tem sido obrigado a cumprir este papel diante da incapacidade do Legislativo brasileiro de, a partir do pressuposto de que homossexualidade não é crime ou doença, assegurar a igualdade na esfera pública entre todas as pessoas, independentemente de sua orientação sexual, o que significa direito de acesso ao casamento, à união estável, à adoção, à reprodução assistida, à proteção de sua integridade física e psíquica, entre tantos outros direitos que hoje lhes são negados legalmente ou de maneira tácita.

Em quais estados houve mais avanços?

Essa é uma pergunta complicada de ser respondida, já que a noção “avanço” não é capaz de traduzir a dinâmica da realidade de cada estado. Por exemplo, em termos ideais, a existência de um órgão governamental responsável pelas questões LGBT, de um plano estadual que assegure diretrizes e princípios para a atuação governamental e de um conselho composto por representantes do governo e da sociedade civil que monitore as ações poderia significar uma situação onde a probabilidade de atenção efetiva aos direitos da população LGBT e de combate à homofobia seria vista como promissora. Todavia, se o referido órgão não tem orçamento, se o plano estadual é uma “peça literária” – para usar a expressão de um de nossos entrevistados – e se o conselho não tem poder de efetivamente influenciar as ações do governo, de quase nada adianta a existência da estrutura governamental antes referida. No momento atual, apenas o estado de São Paulo e o município de São Paulo dispõem, simultaneamente, de órgão específico responsável pelas demandas da população LGBT, de um plano de governo de promoção dos direitos e de um conselho que prevê a participação de governo e sociedade civil na formulação, monitoramento e avaliação de diretrizes de ação e de políticas públicas para LGBT. Nos demais estados e capitais contemplados em nossa pesquisa, um ou mais desses três elementos não se fazem presentes, com os casos extremos do Paraná e do Rio Grande do Sul, que não possuem, em nível estadual, órgão, plano ou conselho direcionados às demandas da população LGBT.

Já no que diz respeito à existência de atos normativos relativos à população LGBT, no âmbito das unidades da federação contempladas na pesquisa do Ser-Tão, os estados do Pará, Piauí e São Paulo, além do Distrito Federal, contam com um número maior de instrumentos jurídicos. Deve ser ressaltado, porém, que a ausência de proteção legal em nível federal fere de morte a efetividade de várias iniciativas no âmbito dos governos estaduais e municipais, já que estes não possuem respaldo legal para legislar sobre temas que, no Brasil, são de competência privativa da união, como é o caso de direito civil e penal.

A última eleição não apenas representou um aumento significativo da chamada bancada religiosa (de 43 para 71 para parlamentares), como trouxe à superfície um discurso notadamente conservador e moralista. O senhor acredita que, apesar de o atual governo ter garantido mais 4 anos de mandato de um projeto em sintonia com a causa LGBT, haja espaço para a ampliação de mais direitos? Qual a sua expectativa sobre a relação entre Legislativo e Executivo para os próximos anos?

O atual governo não conseguiu promover uma boa articulação com o Congresso Nacional de maneira a assegurar a discussão e muito menos a aprovação de projetos de lei voltados à garantia de direitos da população LGBT e ao combate à LGBTfobia. Considerando que a base de sustentação do atual Governo inclui partidos claramente comprometidos com princípios ideológicos cristãos fundamentalistas, os quais se estruturam a partir de uma visão sexofóbica de mundo, o Presidente da República e seus ministros, por mais que digam apoiar demandas do movimento LGBT, não tiveram a determinação política de colocar os direitos sexuais como uma prioridade de seu governo, diferentemente de outros países, como a Espanha e mais recentemente a Argentina, onde o Presidente do Governo José Luis Zapatero e a Presidenta Cristina Kirchner, respectivamente, estiveram pessoalmente comprometidos com a aprovação das mudanças legais que permitiram uma reformulação da concepção jurídica de casamento e de adoção, facultando-os também aos casais de pessoas do mesmo sexo.

Em relação ao próximo governo, pessoalmente sou muito cético quanto a uma eventual mudança no cenário das relações entre Executivo e Legislativo no que diz respeito às reivindicações políticas da população LGBT. Se ainda resta alguma esperança de curto prazo, talvez esta se encontre no Supremo Tribunal Federal, que em breve deve apreciar duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade, que, se aprovadas, permitirão a extensão do alcance dos direitos da união estável também aos casais de pessoas do mesmo sexo e a possibilidade de mudança de nome e sexo nos documentos civis de pessoas transexuais, sem terem que se submeter a cirurgias de redesignação sexual. Tomara que os Ministros do STF sejam menos vulneráveis aos apelos do fundamentalismo religioso, que advoga uma concepção excludente de cidadania e de humanidade, do que os parlamentares do Congresso Nacional.

Como surgiu a idéia de fazer um mapeamento dessa magnitude? Quantos profissionais estiveram envolvidos?

A proposta de realização da pesquisa surgiu a partir da constatação de que o foco de atenção do movimento LGBT brasileiro, a partir de 2004, com a divulgação do Programa Brasil sem Homofobia, estava se deslocando do âmbito dos poderes Legislativo e Judiciário para o Executivo. Não que a aprovação de leis ou de decisões de tribunais superiores tenha deixado de ser vista como prioritária. Aliado a essas bandeiras de luta já históricas, passou-se a demandar que o Poder Executivo também atuasse de maneira mais direta no combate à LGBTfobia e na garantia da cidadania de transexuais, travestis, lésbicas, bissexuais e gays, incluindo a formulação e implementação de políticas públicas. Em verdade, desde 2002, com a aprovação do PNDH 2, as demandas do momento LGBT, ao menos formalmente, já haviam sido incorporadas à pauta das reivindicações reconhecidas pelo Governo Federal como passíveis de formulação de políticas públicas, embora nada tenha sido feito antes do Brasil sem Homofobia, à exceção da área de prevenção do hiv-aids. Com a realização da Conferência Nacional LGBT, em 2008, a própria definição de seu tema de atenção prioritária - Direitos humanos e políticas públicas: o caminho para garantir a cidadania de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (GLBT) - mostrava que as políticas públicas para a população LGBT haviam se tornado uma prioridade na arena política. Daí o interesse da equipe do Ser-Tão na realização desta pesquisa.

Quanto à equipe responsável pela realização do trabalho, o grupo inicial contava com cinco pessoas, que, posteriormente, teve o apoio, em momentos específicos, de consultores que realizaram atividades diversas, como produção do sítio na internet onde os resultados foram divulgados (www.sertao.ufg.br/politicaslgbt), sistematização do banco de dados, análise de entrevistas e documentos, redação de textos, entre outras. Deve ser destacado, por fim, que a realização da pesquisa contou com apoio financeiro da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (Fapeg).

Que tipo de desdobramento o senhor vislumbra a partir desses dados?

Creio que a principal contribuição da pesquisa é colocar na ordem do dia a necessidade de refletir sobre a efetividade das políticas públicas governamentais para grupos subalternizados no Brasil, especialmente para a população LGBT. Também pode contribuir para dar visibilidade para as dramáticas condições de LGBTfobia que prevalecem em diversas esferas da vida social, como saúde, educação, segurança, assistência, previdência e trabalho, além de mostrar como são inúmeros e significativos os obstáculos a serem superados com vistas a garantir condições de vida mais dignas para os que vivem à margem da norma heterossexual, com destaque para a homofobia de Estado, o fundamentalismo religioso e a ausência de um arcabouço jurídico que reconheça igualdade na esfera pública entre todas as pessoas, independentemente de orientação sexual e identidade de gênero (Fonte: CLAM – Centro Latino-americano em sexualidade e Direitos Humanos).

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Poema Falado: Elegia a uma pequena borboleta

Quando criança costumava pegar borboletas com as mãos. Segurava-as com todo o cuidado, mas mesmo assim suas asas ficavam presas aos meus dedos, e a borboleta não conseguia voltar a voar. Parei, então, de segurar borboletas com as mãos, mas sempre que as vejo fico a pensar na coragem das borboletas. Voar para tão longe com asas tão delicadas. Acho que é assim o destino de quem nasceu para ser borboleta. Não tem jeito! Quem nasceu para voar, cedo ou tarde acaba voando, mesmo que lhe cortem as asas. É impossível aprisionar o destino (por Aline Lombello). A fim de homenagear as incansáveis e corajosas borboletas, o Poema Falado de fevereiro discorre sobre as borboletas por meio do belíssimo texto da inesquecível Cecília Meireles. Esta postagem é dedicada a PAPPILLON. Boa audioleitura! E parabéns, querida e adorável Pappi!!!

Como chegavas do casulo,
- inacabada seda viva! -
tuas antenas - fios soltos
da trama de que eras tecida,
e teus olhos, dois grãos da noite
de onde o teu mistério surgia,

como caíste sobre o mundo
inábil, na manhã tão clara,
sem mãe, sem guia, sem conselho,
e rolavas por uma escada
como papel, penugem, poeira,
com mais sonho e silêncio que asas,

minha mão tosca te agarrou
com uma dura, inocente culpa,
e é cinza de lua teu corpo,
meus dedos, sua sepultura.
Já desfeita e ainda palpitante,
expiras sem noção nenhuma.

Ó bordado do véu do dia,
transparente anêmona aérea!
Não leves meu rosto contigo:
leva o pranto que te celebra,
no olho precário em que te acabas,
meu remorso ajoelhado leva!

Choro a tua forma violada,
miraculosa, alva, divina,
criatura de pólen, de aragem,
diáfana pétala da vida!
Choro ter pesado em teu corpo
que no estame não pesaria.

Choro esta humana insuficiência:
_ a confusão dos nossos olhos,
- o selvagem peso do gesto,
- cegueira - ignorância - remotos
instintos súbitos - violências
que o sonho e a graça prostram mortos.

Pudesse a etéreos paraísos
ascender teu leve fantasma,
e meu coração penitente
ser a rosa desabrochada
para servir-te mel e aroma,
por toda a eternidade escrava!

E as lágrimas que por ti choro
fossem o orvalho desses campos,
- os espelhos que refletissem
_ vôo e silêncio - os teus encantos,
com a ternura humilde e o remorso
dos meus desacertos humanos!



quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Minha IEMANJÁ

Para quem não sabe uma informaçãozinha rápida e básica antes da leitura do poema. Iemanjá ou Yemanjá é o orixá que, de acordo com Pierre Verger, se tem origem em “uma nação iorubá estabelecida outrora na região entre Ifé e Ibadan, onde existe ainda o rio Yemanja. Com as guerras entre nações iorubás levaram os Egbá a emigrar na direção oeste, para Abeokuta, no início do século XIX. Não lhes foi possível levar o rio, mas, transportaram consigo os objetos sagrados, suportes do axé da divindade, e o rio Ògùn, que atravessa a região, tornou-se, a partir de então, a nova morada de Iemanjá. Este rio Ògùn não deve, entretanto, ser confundido com Ògún, o orixá do ferro e dos ferreiros”. A fim de homenagear Iemanjá eu, Coccinlle, preparei o vídeo abaixo. Odoyá, Iemanjá!

Quando a onda na praia se quebrava
Salpicando no meu rosto a sua água,
Unia-se às lágrimas que eu chorava,
E doía no meu peito a minha mágoa!

Vinha à mente a tua triste despedida
Que me deixou o coração alucinado
Com a dor daquela perda combalida
Que me fez ficar sonhando acordado!

Quando piso nessa praia meu desejo
É poder, de corpo e alma, encontrar
Aquela que em igualdade eu só vejo

Na existência da puríssima Iemanjá
Que protege pescadores benfazejos,
Mas, que poderá também me ajudar!

(José Rosendo)