domingo, 22 de maio de 2011

Violência contra homossexuais

A homossexualidade é uma ilha cercada de ignorância por todos os lados. Nesse sentido, não existe aspecto do comportamento humano que se lhe compare. Não há descrição de civilização alguma, de qualquer época, que não faça referência à existência de mulheres e homens homossexuais. Apesar dessa constatação, ainda hoje esse tipo de comportamento é chamado de antinatural.

Os que assim o julgam partem do princípio de que a natureza (ou Deus) criou órgãos sexuais para que os seres humanos procriassem; portanto, qualquer relacionamento que não envolva pênis e vagina vai contra ela (ou Ele). Se partirmos de princípio tão frágil, como justificar a prática de sexo anal entre heterossexuais? E o sexo oral? E o beijo na boca? Deus não teria criado a boca para comer e a língua para articular palavras?

Se a homossexualidade fosse apenas perversão humana, não seria encontrada em outros animais. Desde o início do século 20, no entanto, ela tem sido descrita em grande variedade de espécies de invertebrados e em vertebrados, como répteis, pássaros e mamíferos. Em virtualmente todas as espécies de pássaros, em alguma fase da vida, ocorrem interações homossexuais que envolvem contato genital, que, pelo menos entre os machos, ocasionalmente terminam em orgasmo e ejaculação.

Comportamento homossexual envolvendo fêmeas e machos foi documentado em pelo menos 71 espécies de mamíferos, incluindo ratos, camundongos, hamsters, cobaias, coelhos, porcos-espinhos, cães, gatos, cabritos, gado, porcos, antílopes, carneiros, macacos e até leões, os reis da selva. Relacionamento homossexual entre primatas não humanos está fartamente documentado na literatura científica. Já em 1914, Hamilton publicou no Journal of Animal Behaviour um estudo sobre as tendências sexuais em macacos e babuínos, no qual descreveu intercursos com contato vaginal entre as fêmeas e penetração anal entre machos dessas espécies. Em 1917, Kempf relatou observações semelhantes. Masturbação mútua e penetração anal fazem parte do repertório sexual de todos os primatas não humanos já estudados, inclusive bonobos e chimpanzés, nossos parentes mais próximos. Considerar contra a natureza as práticas homossexuais da espécie humana é ignorar todo o conhecimento adquirido pelos etologistas em mais de um século de pesquisas rigorosas.

Os que se sentem pessoalmente ofendidos pela simples existência de homossexuais talvez imaginem que eles escolheram pertencer a essa minoria por capricho individual. Quer dizer, num belo dia pensaram: eu poderia ser heterossexual, mas como sou sem vergonha prefiro me relacionar com pessoas do mesmo sexo. Não sejamos ridículos; quem escolheria a homossexualidade se pudesse ser como a maioria dominante? Se a vida já é dura para os heterossexuais, imagine para os outros. A sexualidade não admite opções, simplesmente é. Podemos controlar nosso comportamento; o desejo, jamais. O desejo brota da alma humana, indomável como a água que despenca da cachoeira.

Mais antiga do que a roda, a homossexualidade é tão legítima e inevitável quanto a heterossexualidade. Reprimi-la é ato de violência que deve ser punido de forma exemplar, como alguns países fazem com o racismo. Os que se sentem ultrajados pela presença de homossexuais na vizinhança, que procurem dentro das próprias inclinações sexuais as razões para justificar o ultraje. Ao contrário dos conturbados e inseguros, mulheres e homens em paz com a sexualidade pessoal costumam aceitar a alheia com respeito e naturalidade.

Negar a pessoas do mesmo sexo permissão para viverem em uniões estáveis com os mesmos direitos das uniões heterossexuais é uma imposição abusiva que vai contra os princípios mais elementares de justiça social. Os pastores de almas que se opõem ao casamento entre homossexuais têm o direito de recomendar a seus rebanhos que não o façam, mas não podem ser fascistas a ponto de pretender impor sua vontade aos que não pensam como eles. Afinal, caro leitor, a menos que seus dias sejam atormentados por fantasias sexuais inconfessáveis, que diferença faz se a colega de escritório é apaixonada por uma mulher? Se o vizinho dorme com outro homem? Se, ao morrer, o apartamento dele será herdado por um sobrinho ou pelo companheiro com quem viveu trinta anos? (por Dráuzio Varela)

domingo, 15 de maio de 2011

Carta aberta ao Supremo Tribunal Federal

No dia 5 de maio de 2011, o Supremo Tribunal Federal votou unanimemente a favor do reconhecimento da união estável homoafetiva no Brasil. Foi dez a zero literalmente. A decisão inédita me motivou a escrever esta carta de agradecimento e reflexão. Os dias 4 e 5 de maio de 2011 ficarão gravados em nossas mentes e corações como sendo os dias em que nossas vidas mudaram para sempre e para melhor.

Além disso, é um momento de festejar e também de agradecer. Obrigado ao STF por nos ter considerado pessoas cidadãos e cidadãs portadores de dignidade que devem ser tratados em pé de igualdade. Nos últimos tempos alguns parlamentares e alguns religiosos homofóbicos tentaram abalar nossa auto-estima, humilhando-nos com suas falas obscurantistas, arrogantes e autoritárias a nosso respeito, igual aos que achavam que a terra era quadrada e nos queimaram na fogueira. Não é mera retórica dizer que o STF lavou nossa alma. E lavou com as próprias lágrimas, cheias de emoção. Acima de tudo, o STF nos tirou do vagão de segunda classe e nos colocou no vagão de primeira classe. Ou dito de melhor forma, disse com todas as letras que, no Brasil, não existem vagões de segunda, terceira ou quarta classe. Somos todas e todos iguais!

Não estamos sós na pugna pela igualdade, dignidade e cidadania. O STF agiu de fato como guardião da lei maior, a Constituição Federal. E o melhor de tudo é que Brasil inteiro ganha com a decisão do STF. Ninguém perdeu. O Brasil ficou maior, mais belo, mais colorido, mais humano e mais feliz. O líder indiano Gandhi, se estivesse vivo, nos lembraria que uma sociedade deve ser julgada pelo tratamento que dá às minorias. O STF protagonizou um dos momentos mais emocionantes da história deste país. Pronunciou em alto e bom som um reconhecimento do Estado Laico e do Estado de Direito, de forma firme e vigorosa, assumindo papel de vanguarda, mostrando que, se por um lado ainda vale o ditado dura lex, sed lex, por outro a Justiça é maior do que a lei. Sendo mais justo, o Brasil torna-se também melhor, mais atual e mais humanista. E com ele também o mundo.

E o que parece ter sido apenas um passo para o Judiciário constitui-se num grande passo para a comunidade LGBT. A decisão do STF abre caminho para que, aos 60 mil casais homoafetivos recenseados pelo IBGE, se somem milhões de outros casais que ainda vivem sob o medo da chacota, da discriminação e da exclusão social.

Faz-nos recordar o processo que conduziu à libertação dos escravos. A decisão proferida em 5 de maio de 2011 representa, de certa forma, a Lei dos Sexagenários e a Lei do Ventre Livre. Mas importa agora prosseguirmos na luta para chegarmos à Lei Áurea.

Sabemos que a equiparação de direitos entre casais homoafetivos e heteroafetivos não vai, sozinha, aumentar ou diminuir a felicidade, mas ela nos dá segurança que precisamos nos momentos de infortúnio. Felicidade é algo que todo ser humano almeja, e segundo Aristóteles é a finalidade da vida. A decisão do STF contribuiu para que ela esteja mais ao alcance de uma enorme parcela da população antes excluída, através da busca por afeto e pelo amor. Como disse o poeta Fernando Pessoa, “Importante é amor, o sexo um acidente; pode ser igual, pode ser diferente”! O amor venceu.
Para os religiosos que se posicionaram contrários, eu como cristão quero deixar uma mensagem muito transparente, baseada na filosofia cristã, relembrando que nós ganhamos, e vocês também não perderam. O Brasil inteiro ganhou:

“Ainda que eu falasse línguas, as dos homens e dos anjos, se eu não tivesse o amor, seria como sino ruidoso ou como címbalo estridente” (1 Coríntios, 13.1). Nossas relações têm amor e devem ser respeitadas.

“De fato, os mandamentos se resumem nesta sentença: ‘Ame o seu próximo como a si mesmo’. O amor não pratica o mal contra o próximo, pois o amor é o pleno cumprimento da Lei” (Romanos, 9-10).

“Se cumprirem a lei mais importante da Escritura: ‘Ame o seu próximo como a si mesmo’, vocês estarão agindo bem. Mas, se vocês fazem diferença entre as pessoas, estão cometendo pecado” (Tiago 2, 8-9).

“Não julguem, e vocês não serão julgados. De fato, vocês serão julgados com o mesmo julgamento que vocês julgarem, e serão medidos com a mesma medida com que vocês medirem. Por que você fica olhando o cisco no olho de seu irmão, e não presta atenção à trave que está no seu próprio olho”? (Mateus 7, 1-3). Todos somos diferentes uns dos outros, a diversidade humana deve ser respeitada.

Setores minoritários vão criticar a atuação do STF. Porém, o tribunal nada mais fez que exercer seu trabalho esplêndido, o de interpretar, proteger e fazer aplicar a Constituição.

A formalidade e a sisudez são marcas do Supremo Tribunal Federal, portanto não entendam isso como falta de respeito, mas nos próximos encontros faço questão de dar um forte abraço e um afetuoso beijo no rosto de cada ministro e de cada ministra. Tocaram fundo em nossos corações, trazendo uma alegria inigualável com seus votos e manifestações. A seu modo, cada um colocou uma peça que compôs ao final uma bela imagem!

Havíamos conversado com alguns membros da Corte Suprema. Sabíamos que havia propensão para a vitória, mas não imaginávamos que seria por unanimidade, uma verdadeira goleada. Nossa placar era 7 a 3, ou 6 a 4. Mas 10 a zero foi maravilhoso. 10 a zero para a dignidade, a igualdade e a solidariedade. Zero para o preconceito! “Liberté, égalité, fraternité”. Foi a queda da Bastilha em nosso país, sem que ninguém tenha ido para a forca. Os únicos perdedores foram o preconceito, o estigma e a discriminação.

O Governo Federal tem colaborado conosco há tempo, tal como o Judiciário. Mas agora será a vez do Congresso Nacional. Lá temos alguns aliados e algumas aliadas assumidos, muitos outros “no armário” e ainda um pequeno porém intransigente grupo homofóbico. É preciso que os que estão em cima do muro também venham para a arena do iluminismo e empunhem a defesa dos princípios da nossa Constituição. O STF agiu como uma lamparina e uma lanterna para o Congresso Nacional, mostrou o caminho e forneceu fartos argumentos, todos de primeira grandeza.

Afirmaram, entre muitas outras coisas, que ninguém, absolutamente ninguém pode ser privado de seus direitos nem sofrer quaisquer restrições de ordem jurídica por motivo de sua orientação sexual; que a orientação sexual de cada indivíduo não pode ser utilizada como argumento para se aplicar leis e direitos diferentes aos cidadãos; que é papel do Poder Judiciário suprir lacunas caso o Congresso Nacional, responsável por criar leis, não tenha garantido legalmente direitos civis aos homossexuais; que a união homoafetiva pode ser identificada como entidade familiar merecedora de receber proteção estatal; que todos e todas, sem exceção, têm direito a uma igual consideração; que uma sociedade decente é uma sociedade que não humilha seus integrantes; que o Brasil está vencendo a guerra desumana contra o preconceito...

O STF conseguiu sistematizar os anseios mais profundos do movimento LGBT e, por extensão, de todas as pessoas que querem um mundo onde impere a igualdade e não a exclusão social. A decisão do STF provocou um tsunami maravilhoso da cidadania brasileira, demonstrando que a ausência de lei não significa a ausência de direitos.

A vida tem a cor com que a pintamos. O STF reconheceu e afirmou que a vida e a sociedade realmente são um arco-íris, símbolo do movimento LGBT no mundo inteiro. Temos a maior parada LGBT do mundo, e ontem o STF se mostrou entre os tribunais mais avançados do mundo. Temos orgulho de ser brasileiros e brasileiras.

Em Brasília a inércia e o conservadorismo do Congresso Nacional deram lugar à agilidade, à temperança e ao bom senso, que rasgaram o papel da hipocrisia. O STF teve coragem e ousadia, sem perder o rigor no seu dever de interpretar a Constituição, enquanto o Congresso permanece inerte, salvo raras exceções.

Vida longa aos que, como Martin Luther King, sonham e pensam numa sociedade em que não haja discriminação, preconceito e estigma. Vida longa aos movimentos igualitários e a todos nossos aliados e aliadas. Parabéns ao Superior Tribunal Federal do Brasil, exemplo de convicção e firmeza na defesa da plenitude da cidadania! (por Toni Reis, Presidente da ABGLT – Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais)

Para ABGLT 60 mil casais gays são só a ponta do iceberg

A informação de que mais de 60 mil casais homossexuais foram contabilizados durante o último recenseamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) surpreendeu o presidente da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), Toni Reis. O número está entre os dados preliminares do Censo Demográfico 2010, divulgados em 29/04 último.

A pergunta “cônjuge do mesmo sexo” foi incluída na sondagem, como forma de contemplar os novos arranjos familiares existentes na sociedade. Apesar de a quantidade de casais gays captada pela pesquisa ter superado as expectativas do presidente da ABGLT, ele garante que o número é “só a ponta do iceberg”.

“Achávamos que seria menos, porque as pessoas ainda têm muito preconceito. Vivemos em uma sociedade heteronormativa. Pode verificar, nas propagandas, nas novelas é só heteronormatividade. Não tem beijo gay, por exemplo. Tudo é para hétero. E, de repente, a gente constata que há 60 mil casais. E esse número é só a ponta do iceberg. Temos muitas pessoas que não se assumem (homossexuais) por causa da família, da igreja, da religião. Daqui a 10 anos, esse número será de 600 mil”, prevê o presidente da ABGLT.

Na avaliação de Toni Reis, o resultado obtido a partir do recenseamento sinaliza a necessidade de se discutir garantias para essa parcela da população, como o Projeto de Lei Complementar 122 , que criminaliza a homofobia e está tramitando no Senado. “Não somos mais um ou dois casais gays que estão por aí. Somos 60 mil. É muita gente. Imagina esse povo numa fila para fazer casamento? Somos minoria, claro. Reconhecemos que os heterossexuais serão maioria sempre, mas é um número muito grande de gente que está tendo cidadania pela metade”. Conforme os dados preliminares do Censo 2010, por outro lado, 37.487.115 correspondem a casais do sexo oposto (por Ana Cláudia Barros para Terra Magazine).

domingo, 8 de maio de 2011

Os ventos da mudança não cessam de soprar nunca

Os últimos dias foram bastante agitados. Primeiro o Vaticano anunciou a beatificação do falecido Papa João Paulo II com toda pompa e circunstância. No dia seguinte foi a vez do Barack Obama anunciar, com toda pompa e circunstância também, a morte do Osama Bin Laden, o terrorista mais procurado do mundo. Houve até quem nos Estados Unidos dissesse que a morte do líder da Al-Qaeda foi o primeiro milagre do João Paulo II. Como pode um santo iniciar sua carreira com um assassinato? Eu hein! Gente mais doida! Acho que santos se encarregam de assuntos mais nobres como o amor e o combate à intolerância, por exemplo. Sendo assim, o fato de o Supremo Tribunal Federal (STF) brasileiro ter reconhecido as uniões homoafetivas ou homossexuais como entidades familiares parece ser algo mais digno de um santo. De agora em diante, homens e mulheres que decidirem estabelecer uma união estável com parceiros/as do mesmo sexo não terão mais seus direitos negados, pois o Estado brasileiro deverá reconhecer esse tipo de união da mesma maneira que reconhece outros tipos de uniões entre seres humanos. Como sempre digo, é impossível deter os ventos da mudança. Eles sempre sopram e soprarão quer queiramos ou não. Com a decisão do STF cabe aos fundamentalistas ultra-radicais conservadores enfiar toda sua estupidez e arrogância no saco porque, parafraseando o genial Chico Buarque de Holanda, apesar de vocês, amanhã há de ser outro dia, ou seja, um dia repleto de luz, ornado com as mais belas, suntuosas, esplendorosas e magníficas cores do arco-íris. Agora é continuar a luta pela aprovação do PLC-122 na Câmara Federal. É só uma questão de tempo, pouco tempo, para que o arco-íris encha de beleza os céus do Brasil (pour Coccinele).

STF julga por unanimidade a favor da união civil entre casais homoafetivos

“O amor que não ousa dizer seu nome” (Oscar Wilde), finalmente tem a sua vez no Brasil. Nesta quinta-feira, 05 de maio de 2011, o Supremo Tribunal Federal julgou a favor da união civil entre casais homossexuais. Em seus discursos, os/as ministros/as da corte se fundamentaram nos preceitos fundamentais da Constituição, em especial a igualdade, a liberdade, a dignidade da pessoa humana e a proteção à segurança jurídica. A decisão significa que agora no Brasil os casais do mesmo sexo têm os mesmos direitos que os casais heterossexuais.

O julgamento foi acompanhado por autoridades do governo federal e suas equipes, incluindo a Ministra Maria do Rosário, da Secretaria dos Direitos Humanos da Presidência da República; o Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo; o Advogado-Geral da União, Luís Inácio Lucena Adams; o Procurador-Geral da República, Roberto Gurgel; bem como a Senadora Marta Suplicy – defensora de longa data da causa LGBT; e o Deputado Federal Jean Wyllys.

O julgamento do STF ocorreu em razão da Aguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 132/RJ e a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 4277. A primeira foi apresentada em 2008 pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro a fim de garantir que funcionários estaduais do RJ que mantivessem relações homoafetivas estáveis também pudessem ter os todos os benefícios de licença, previdência e assistência decorrentes de união estável heterossexual. A segunda foi interposta pela Procuradoria Geral da República em 2009 e requereu o “reconhecimento, no Brasil da união entre pessoas do mesmo sexo, como entidade familiar, desde que atendidos os requisitos exigidos para a constituição da união estável entre homem e mulher; e (b) que os mesmos direitos e deveres dos companheiros nas uniões estáveis estendem-se aos companheiros nas uniões entre pessoas do mesmo sexo”.

Para Toni Reis, presidente da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT) a decisão do STF é uma vitória para a democracia. Ninguém saiu perdendo com a decisão, nem os opositores, mas um segmento significativo de brasileiros e brasileiras ganhou o acesso à igualdade de direitos garantida pela Constituição Federal e até então negada a casais do mesmo sexo. O STF deu um belo exemplo para o Congresso Nacional, que não avança com a matéria desde a primeira vez que foi apresentada em 1995, com o Projeto de Lei 1151/95, da então deputada e atual senadora Marta Suplicy. Essa é uma mais uma vitória na batalha contra desigualdade. Continuaremos a cobrar do Congresso Nacional a criminalização da homofobia e o reconhecimento do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo.”

Em nome da ABGLT, Reis estendeu agradecimentos ao Governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral e equipe, pela postura e iniciativa de entrar no STF com a ADPF 132/RJ; à Dra. Deborah Duprat e à Procuradoria-Geral da República, que apresentou a ADI 4277; ao Ministro Ayres Britto, relator das duas ações, pelo parecer favorável; aos Amici Curiae que deram sustentação durante a sessão do STF no dia 4 de maio; ao Presidente Lula e à Presidenta Dilma e suas equipes, que se posicionaram favoráveis ao reconhecimento da união civil entre pessoas do mesmo sexo; aos/às ministro/as do Supremo Tribunal Federal que deram seu julgamento favorável; ao movimento LGBT por seu desempenho de longa data em prol dos direitos iguais; aos/às apoiadores/as da causa LGBT; aos meios de comunicação pela cobertura dada ao julgamento pelo STF e pela cobertura que têm dado aos casos de violência e discriminação contra pessoas LGBT; e ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) pela iniciativa de contabilizar os casais homossexuais no Censo de 2010, contribuindo de forma fundamental com um dado concreto evidenciando a inegável existência de pelo menos 60 mil casais do mesmo sexo no Brasil.

Aos amici curiae opositores: a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e a Associação Eduardo Banks, Reis afirmou que “não queremos destruir a família de ninguém, queremos sim constituir uma família da nossa forma”.

Para Maria Berenice Dias, presidenta da Comissão da Diversidade Sexual do Conselho Federal da OAB, que atuou na condição de amicus curie do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) é de enorme significado o julgamento da ADI 4277 e da ADPF 132, pois o acolhimento das demandas irá retirar da invisibilidade lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais. Segundo ela, “o reconhecimento das uniões homoafetivas como entidade familiar supre a perversa omissão do Legislativo que, por puro preconceito, tem deixado fora do sistema jurídico a população LGBT. O STF referendou a jurisprudência que vem se cristalizando em todas as justiças, garantindo a proteção à segurança jurídica de forma igual ao que já existia para os casais heterossexuais”.

Na opinião do advogado Roberto Gonçale, da Ordem dos Advogados - seccional Rio de Janeiro, “o julgamento, na instância máxima da Justiça brasileira, destas duas ações versando sobre temas dos direitos e deveres decorrentes de relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo é um avanço extraordinário. Corresponde a uma necessidade de parcela significativa da população brasileira, que tem orientação sexual não heterossexual, pois é em decorrência da orientação sexual que esta população se via impedida de exercer regularmente direitos e deveres vivenciados por heterossexuais” (por ABGLT).

STF reconhece união homossexual como entidade familiar

O Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu, por unanimidade, como união estável ou entidade familiar a união homoafetiva. “O reconhecimento, portanto, pelo tribunal, hoje, desses direitos, responde a um grupo de pessoas que durante longo tempo foram humilhadas, cujos direitos foram ignorados, cuja dignidade foi ofendida, cuja identidade foi negada e cuja liberdade foi oprimida”, afirmou a ministra Ellen Gracie.

Pela decisão do Supremo, os homossexuais passam a ter reconhecido o direito de receber pensão alimentícia, ter acesso à herança de seu companheiro em caso de morte, podem ser incluídos como dependentes nos planos de saúde, poderão adotar filhos e registrá-los em seus nomes, dentre outros direitos.

As uniões homoafetivas serão colocadas com a decisão do tribunal ao lado dos três tipos de família já reconhecidos pela Constituição: a família convencional formada com o casamento, a família decorrente da união estável e a família formada, por exemplo, pela mãe solteira e seus filhos. E como entidade familiar, as uniões de pessoas do mesmo sexo passam a merecer a mesma proteção do Estado.

A decisão do STF deve simplificar a extensão desses direitos. Por ser uma decisão em duas ações diretas de inconstitucionalidade - uma de autoria do governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, e outra pela vice-procuradora-geral da República, Deborah Duprat -, o entendimento do STF deve ser seguido por todos os tribunais do país.

Os casais homossexuais estarão submetidos às mesmas obrigações e cautelas impostas para os casais heterossexuais. Por exemplo: para ter direito à pensão por morte, terá de comprovar que mantinha com o companheiro que morreu uma união em regime estável. Pela legislação atual e por decisões de alguns tribunais, as uniões de pessoas de mesmo sexo eram tratadas como uma sociedade de fato, como se fosse um negócio. Assim, em caso de separação, não havia direito a pensão, por exemplo. E a partilha de bens era feita medindo-se o esforço de cada um para a formação do patrimônio adquirido (por Felipe Recondo para Agência Estado).

Decisão do Supremo Tribunal Federal desnuda inércia do Congresso Nacional


Neste momento a imprensa do mundo inteiro já noticiou o fato de que o Supremo Tribunal Federal (STF) aprovou por unanimidade a união estável para casais do mesmo sexo. Todos os ministros seguiram o voto do relator, Carlos Ayres Britto, que deu uma aula magna a respeito do que é a família, que em sua concepção “nada tem a ver com o casamento”.

Mas, além da decisão histórica do STF, que ainda está sendo comemorada pela comunidade LGBT do Brasil inteiro, devemos atentar para o fato, com bem lembrou o ministro Gilmar Mendes, de que a aprovação das uniões homoafetivas não é papel do STF e, sim, do Congresso Nacional. “O Supremo Tribunal foi chamado a se posicionar sobre uma questão que é da competência do Congresso Nacional, que está inerte frente a esta questão”, falou o ministro.

A mesma crítica foi feita por quase todos os ministros. Luiz Fux também apontou para o fato de que a Constituição, o Supremo Tribunal e o Congresso devem acompanhar a evolução social e legislar sobre tais mudanças, porém, hoje “o Congresso Nacional se encontra afundado em um obscurantismo”. Os ministros estão cobertos de razão: a cada legislatura, as bancadas religiosas e intolerantes só fazem crescer e barrar qualquer projeto que vise uma sociedade progressista.

Basta lembrarmos que, em 1995, a então deputada federal Marta Suplicy (PT-SP) apresentava o projeto de lei que pedia a legalização da parceria civil entre os casais do mesmo sexo. A ação ficou marcada por ser inédita naqueles tempos onde se vivia um Brasil mais machista e, provavelmente, mais homofóbico. Naquela época, o Brasil e o seu Congresso Nacional despontavam como progressistas aos olhos do mundo. Porém, o projeto se encontra há 15 anos engavetado.

De lá para cá o Congresso Nacional só andou para trás, mas tal recrudescimento dos parlamentares progressistas se deu também por conta do eleitor, pois só assim se constituiu esse cenário desolador. E assim o Brasil foi ficando para trás e cada vez mais sendo obrigado a assistir a um Congresso que não dialoga com a sociedade e que legisla em causa própria e nunca com os olhos para a sociedade. Por conta disso, fomos obrigados a ver Uruguai e Argentina avançarem nos direitos LGBT.

A senadora Marta Suplicy é enfática ao dizer que o Brasil era um dos países mais avançados no debate LGBT e, hoje, assiste a jovens serem espancados em plena avenida Paulista, de longe uma das regiões com maior frequência gay na cidade de São Paulo. Com este vácuo, com a homofobia gritando nos quatro cantos do país, duas pessoas tiveram a enorme sensibilidade em legislar sobre o tema de maneira corajosa: o governador do Rio de Janeiro, Sergio Cabral (PMDB-RJ) e a vice-procuradora da União, Deborah Duprat.

Pode ser que após essa humilhação que os ministros impuseram ao Congresso Nacional os legisladores saiam da caverna obscurantista e comecem a caminhar junto com a sociedade para, talvez, resgatar algum tipo de credibilidade frente a opinião pública. Por hora, parabenizamos os ministros que defenderam a união homoafetiva magistralmente; Cabral e Duprat por terem a coragem e ousadia de provocar o STF; e a senadora Marta Suplicy, que praticamente sozinha iniciou esta luta há 15 anos e hoje pode declarar que “chorou muito” ao saber do resultado.

Por fim, encerremos com uma bela colocação do ministro Luiz Fux: “Daremos a esse segmento de nobres brasileiros mais do que um projeto de vida. Um projeto de felicidade” (por Marcelo Hailer para revista A Capa).

domingo, 1 de maio de 2011

Poema Falado: Esperando os Bárbaros

De acordo com o dicionário, a palavra bárbaro se origina do latim barbàrus, que se refere a um estrangeiro, isto é, um indivíduo não identificado com os costumes do observador. Par os antigos gregos, bárbaros eram aqueles que pertenciam a outra raça ou civilização e falava outra língua que não a deles. No Império Romano, o termo adquiriu outro significado, passando a designar que ou quem é incivilizado, rude, grosseiro. Os chamados povos bárbaros, principalmente, os Hunos e os Germânicos, promoveram sucessivas invasões ao Império Romano do Oriente e do Ocidente o que, por sua vez, desencadeou mudanças irreversíveis no curso da história ocidental. Os bárbaros são assim, inquietos, rebeldes. E essa rebeldia é extremamente saudável, pois ela é o motor que impulsiona as mudanças. Ao longo da história humana existiram vários bárbaros. Nas décadas de 1960 e 1970 eles foram tão numerosos que por todo o mundo ajudaram a derrubar ditaduras políticas, regimes conservadores, costumes, práticas e idéias opressivas, pregaram a paz, oxigenaram o mundo e a vida em sociedade com seus ideais de liberdade e suas utopias maravilhosas. Hoje em dia, porém, o tilintar dos metais preciosos e seus valores perniciosos parecem ter silenciado as utopias. Onde foi parar a rebeldia? Por onde andam os bárbaros? O mundo precisa dos bárbaros como escreveu o poeta grego nascido em Alexandria, Konstantinos Kaváfis, que o Poema Falado deste mês homenageia. Diz ele: “Mas que esperamos nós aqui n'Ágora reunidos? / É que os bárbaros hoje vão chegar! / Mas porque reina no Senado tanta apatia? / Porque deixaram de fazer leis os nossos senadores? / É que os bárbaros hoje vão chegar. / Que leis hão-de fazer os senadores? / Os bárbaros que vêm, que as façam eles. // Mas porque tão cedo se ergueu hoje o nosso imperador, / E se sentou na magna porta da cidade à espera, / Oficial, no trono, co'a coroa na cabeça? / É que os bárbaros hoje vão chegar. / O nosso imperador espera receber / O chefe. E certamente preparou / Um pergaminho para lhe dar, onde / Inscreveu vários títulos e nomes. // Porque é que os nossos dois bons cônsules e os dois pretores / trouxeram hoje à rua as togas vermelhas bordadas? / E porque passeiam com pulseiras ricas de ametistas, / e porque trazem os anéis de esmeraldas refulgentes, / por que razão empunham hoje bastões preciosos / com tão finos ornatos de ouro e prata cravejados? / É que os bárbaros hoje vão chegar. / E tais coisas os deixam deslumbrados. // Por que não acorrem como sempre nossos ilustres oradores / a brindar-nos com o jorro feliz de sua eloqüência? / Porque hoje chegam os bárbaros / que odeiam a retórica e os longos discursos. // Por que de repente essa inquietude / e movimento? (Quanta Gravidade nos rostos!) / Por que esvazia a multidão ruas e praças / e sombria regressa a suas moradas? // Porque a noite cai e não chegam os bárbaros / e gente vinda da fronteira / afirma que já não há bárbaros. // E o que será agora de nós sem bárbaros? / Talvez eles fossem uma solução afinal de contas”. Boa áudio-leitua! (por Sílvio Benevides)