domingo, 25 de abril de 2010

Política para quem precisa de política

Freqüentemente se ouve falar que a política não presta, que todo político é ladrão ou corrupto (o que dá no mesmo, em se tratando de homens públicos; públicos no sentido político da expressão, que fique bem claro!), que a política é uma porcaria, sinônimo de sujeira, imoralidade e falta de ética. Claro que temos motivos de sobra para pensarmos assim. Os noticiários estão repletos de escândalos e mais escândalos, cada um mais escabroso que outro. Entretanto, uma pergunta deve ser feita: a quem interessa esse tipo de pensamento? Acho que devemos refletir bem sobre isso, afinal, uma sociedade democrática precisa da política para funcionar como se deve, ou seja, com respeito à dignidade de todos. É preciso dizer que é através da política que se conquista direitos e, mais que isso, garante-se que tais direitos sejam respeitados. É através da aplicação das leis, elaboradas pelos políticos que atuam nas assembléias legislativas, nas câmaras de vereadores e no congresso nacional, que os direitos são garantidos e respeitados. Leis são regras de conduta. Sem elas não há como existir vida social. E as leis são fruto da política. Portanto, a política é um dos principais mecanismos que possibilitam a existência de uma sociedade, principalmente, de uma sociedade democrática.

Você deve estar se perguntando a razão desse texto, não é mesmo? Pois bem, vou explicar. Semana passada um leitor deste blog enviou para meu e-mail a notícia de um projeto de lei de autoria do deputado estadual paulista Carlos Giannazi (PSOL-SP) que prevê a obrigatoriedade nos cursos preparatórios dos policiais do Estado de São Paulo, formação educacional de combate a homofobia. Acho que se trata de um projeto fundamental, pois combate a homofobia, esse câncer social, na sua raiz. Policiais mais preparados são policiais menos violentos, que aplicarão a força somente quando for estritamente necessário. Logo, achei interessante divulgar esse projeto nesse nosso cantinho. Quero deixar claro que não se trata de promover o referido deputado, mas, sim, de divulgar propostas que ajudarão a construir uma sociedade melhor para todos. E essa sociedade tão almejada só pode emergir das práticas e das lutas políticas. Oxalá essa idéia se espalhe por todo o Brasil e vá bater direto nas portas do nosso Congresso Nacional. Agradeço a contribuição do L.F. e faço votos que ele continue colaborando com esse cantinho. Sinta-se em casa, viu, L.F.! Volte sempre que você desejar. Será um prazer tê-lo por aqui (por Coccinelle).

PROJETO DE LEI Nº 307, DE 2010

Dispõe sobre a obrigatoriedade da disciplina de combate à homofobia no conteúdo curricular dos cursos de formação de Policiais Civis e Militares e Bombeiros Militares no estado de São Paulo.

A ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SÃO PAULO DECRETA:

Artigo 1º - Os cursos de formação inicial ou permanente de policiais civis, policiais militares, policiais rodoviários, bombeiros militares, bem como dos escrivães e dos delegados da Polícia Civil do Estado de São Paulo deverão conter em seu conteúdo programático os temas Relações de Gênero e Combate à Homofobia.

Parágrafo único - Homofobia, para efeito desta lei, deve ser entendida como toda e qualquer forma de discriminação, prática de violência, física, psicológica, cultural e verbal, ou manifestação de caráter preconceituoso contra lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais por motivos derivados de sua orientação sexual.

Artigo 2º - Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

JUSTIFICATIVA
A 1º Conferencia Nacional de Educação-CONAE, de março de 2010, aprovou indicação para que os temas sobre orientação sexual e homossexualidade deverão fazer parte dos livros didáticos e das discussões nas salas de aula de todo o país. No Estado de São Paulo, o Poder Executivo publicou no mês de março, em Diário Oficial, 3 (três) decretos em favor da população LGBTT: a) Instituindo o Conselho Estadual dos Direitos da População LGBTT, órgão consultivo e deliberativo (Decreto 55.587/10); b) decreto dispondo sobre o tratamento nominal das pessoas transexuais e travestis nos órgãos públicos do estado, assegurando o direito à escolha do nome pelo qual deseja ser chamada, nos atos e procedimentos, promovidos no âmbito da administração direta e indireta (Decreto 55.588/10) e c) decreto que regulamenta a Lei 10.948/2001 que dispõe sobre penalidades a serem aplicadas à prática de discriminação em razão de orientação sexual (decreto 55.589/10). Em 2007, apresentamos o projeto de lei nº 579, que cria o Dia Estadual da Visibilidade Lésbica no Estado de São Paulo,e o projeto de lei de nº509 que determina abordagem de conteúdos da temática LGBTT- Gays, Lésbicas, Bissexuais, Transexuais e Transgêneros, na última série do ciclo I e em todas as séries do ciclo II do Ensino Fundamental das Escolas Públicas Estaduais do Estado de São Paulo, e o de nº508 que autoriza o poder executivo a criar a Coordenadoria em defesa dos Direitos da Comunidade LGBTT, que é realidade hoje no estado. O projeto de lei que agora apresentamos justifica-se, fundamentalmente, em razão da discriminação que persiste contra pessoas com orientação sexual diversa à heterossexualidade, sobretudo no que diz respeito à abordagem que ainda é feita por parte do conjunto das autoridades: as lamentáveis e homofóbicas atitudes violentas originadas nas ações de policiais militares que agrediram. Há registros tristes desses episódios, em 2008 e 2009, por exemplo, nas duas edições da PARADA GAY DE SANTO ANDRÉ, município da grande São Paulo. Valendo-se do princípio da igualdade, consagrado na Constituição Federal, este projeto de lei tem o objetivo de combater uma realidade que não pode ser escamoteada, sob pena de fecharmos os olhos para uma espécie de violência que se manifesta silenciosa na sociedade, muitas vezes sob a conivência e, até mesmo, com a cumplicidade de gestores públicos. Esta proposição fundamenta-se, portanto, na crença na pluralidade, aceitando as diferenças entre os seres humanos, suas idéias, sentimentos e credos, acreditamos que podemos caminhar juntos na construção de um mundo sem preconceito e discriminação em relação á orientação sexual das pessoas hoje (Dep Carlos Giannazi – PSOL-SP).

domingo, 18 de abril de 2010

Nota oficial da ABGLT sobre declarações do Vaticano referentes à homossexualidade

Diante da declaração do Secretário de Estado do Vaticano, cardeal Tarcisio Bertone, que afirmou nesta segunda-feira (12/04/2010) que é o “homossexualismo” (sic), e não o celibato, que deve ser relacionada à pedofilia, a ABGLT vem a público se manifestar:

A ABGLT deixa claro no seu estatuto que é contra a pedofilia, seja ela praticada por pessoas de qualquer orientação sexual ou identidade de gênero, heterossexuais ou homossexuais. A ABGLT, no seu primeiro Congresso, realizado de 20 a 24 de janeiro de 2005, em Curitiba, Paraná, Brasil, deliberou pela defesa e garantia do estado laico e contra a exploração e abuso sexual de crianças e adolescentes. A ABGLT entende que a pedofilia é um transtorno, conforme a Classificação Internacional de Doenças 10 - F65.4: 302.2, e que o abuso sexual de crianças e adolescentes é crime. A ABGLT mantém uma campanha permanente contra a pedofilia e o abuso sexual de crianças e adolescentes.

Diversos estudos sobre a pedofilia e sobre o abuso sexual de crianças e adolescentes apontam que a maioria destes crimes é perpetrada por heterossexuais, sem que isto signifique que a heterossexualidade cause a pedofilia. As questões relacionadas à pedofilia propriamente dita são muita complexas e não podem se reduzir a tão simplista diferenciação baseada na orientação sexual dos agressores. O que surge de fato como tendência nos estudos é que os crimes são praticados especialmente por pessoas que têm proximidade, exercem autoridade e possuem confiança em relação às crianças e aos adolescentes, como pais, familiares, religiosos.

A ABGLT não aceita esta provocação do Vaticano contra as pessoas Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais – LGBT, que não passa de uma tentativa de desviar a atenção do problema maior que se prolifera dentro do seio da Igreja Católica, o qual deve - sim - ser explicado e esclarecido para a sociedade em geral.

A ABGLT defende um Estado Laico e entende que a liberdade religiosa não garante ao Vaticano o direito de julgar com suas próprias leis os seus pares que abusam de crianças e adolescentes. A ABGLT entende que religiosos que cometam crimes de abuso sexual de crianças e adolescentes, além de ter o devido acompanhamento dos serviços de saúde, devem ser submetidos às penas previstas pela lei secular, assim como o restante da população. Assim, a ABGLT se soma às demais instituições de direitos humanos e pede que o Vaticano se explique sobre estes crimes cometidos por sacerdotes católicos, e que não culpe de forma irresponsável a comunidade LGBT.

A ABGLT, diferente dos setores fundamentalistas religiosos, defende a educação sexual para crianças e adolescentes, de tal modo que aprendam a ter autonomia sobre seu corpo, e a se proteger e denunciar abusos dentro de casa, nas igrejas e em qualquer outro lugar. A ABGLT convoca as organizações profissionais, de direitos humanos e LGBT, nacionais e internacionais, a se pronunciarem sobre o assunto.

A ABGLT espera que o Secretário de Estado do Vaticano, cardeal Tarcisio Bertone, tenha o mínimo de respeito para as famílias das crianças abusadas por padres e bispos da Igreja Católica, e que, ao invés de jogar a culpa de seus escândalos para a comunidade homossexual, reflita sobre o passado e o mal que historicamente a Igreja tem feito aos negros, deficientes, mulheres, judeus, ciganos, homossexuais e crianças e adolescentes em todo o mundo. Será que futuramente a Igreja vai pedir perdão também aos homossexuais por mais este erro que está cometendo agora?

Viva o Estado Laico. Pelo direito da Educação Sexual de crianças e adolescentes, pela punição (conforme as leis seculares) de religiosos que abusam sexualmente de crianças e adolescentes, por uma nova Igreja que respeite os direitos humanos de todos os cidadãos e todas as cidadãs, sem distinção de qualquer natureza.
Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais. E eu, Coccinelle, também assino essa nota.

Official ABGLT position on Vatican statements about homosexuality

In the face of the statement made by the Vatican’s Secretary of State, Cardinal Tarcisio Bertone, this Monday (12/04/2010) that it is “homosexualism” (sic), and not celibacy, that should be related to pedophilia, ABGLT publicly manifests itself as follows:

In its by-laws, ABGLT makes it clear that it is against pedophilia, regardless of the sexual orientation of gender identity of those who practice it, whether they be heterosexual or homosexual. During its 1st Congress, held on January 20th to 24th 2005, in Curitiba, Paraná, Brazil, ABGLT decided in favour of the defence of the Secular State and against the sexual exploitation and abuse of children and adolescents. It is ABGLT’s understanding that pedophilia is a disorder, as per the International Classification of Diseases 10 - F65.4: 302.2, and that the sexual abuse of children and adolescents is a crime. ABGLT has a permanent campaign on its website against pedophilia and the sexual abuse of children and adolescents.

Many studies on pedophilia and the sexual abuse of children and adolescents indicate that the majority of these crimes is perpetrated by heterosexual people, without this implying that heterosexuality causes pedophilia. The issues relating to pedophilia itself are very complex and cannot be reduced to a simplistic differentiation based on the sexual orientation of the aggressors. What does arise as a tendency in the studies is that the crimes are committed by people who are close to, hold authority over and count on the trust of the underaged, such as parents, relatives, priests.

ABGLT does not accept this provocation by the Vatican against Lesbian, Gay, Bisexual and Transgender (LGBT) people, which is nothing more than an attempt to draw attention away from the more important problem that proliferates within the bosom of the Catholic Church, and which undoubtedly should be explained and clarified to society in general.

ABGLT defends the Secular State and understands that religious freedom does not give the Vatican the right to judge with its own laws its peers who abuse children and adolescents. ABGLT maintains that ordained people who commit the crime of sexual abuse of children and adolescents, in addition to receiving due healthcare, must be subject to the penalties provided for by secular laws, in the same way as the rest of the population. As such, ABGLT joins other human rights organizations and demands that the Vatican provide an explanation regarding the crimes committed by catholic priests, and that it does not blame the LGBT community in this irresponsible manner.

ABGLT, differently to fundamental religious sectors, defends sexual education for children and adolescents, in order for them to learn to have autonomy over their bodies, and learn to protect themselves from and report abuse at home, in churches, and wherever else it may occur. ABGLT calls on professional, human rights and LGBT organizations, both national and international, to make pronouncements on this matter.

ABGLT hopes that the Vatican’s Secretary of State, Cardinal Tarcisio Bertone, will be capable of showing the minimum of respect to the families of the children abused by priests and bishops of the Catholic Church, and that, instead of placing the blame of its scandals on the homosexual community, it reflects on the past and on the harm that the Church has historically caused to Black people, the disabled, women, Jews, gypsies, homosexuals and children and adolescents throughout the world. Will the Church, in the future, also ask forgiveness of the homosexual community for yet another injustice it is committing now?

Long live the Secular State. For the right for children and adolescents to have Sexual Education, for the punishment (under secular laws) of ordained people who sexually abuse children and adolescents, for a new Church that respects the human rights of all citizens, indiscriminately.
ABGLT – Brazilian Lesbian, Gay, Bisexual and Transgender Association. And I, Coccinelle, sign too this note.

domingo, 11 de abril de 2010

Manifesto

I Marcha Nacional contra a Homofobia - 1º Grito Nacional pela Cidadania LGBT e Contra a Homofobia

A Direção da Associação Brasileira de Lésbicas , Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais - ABGLT, reunida em 02 de março de 2010, resolveu convocar todas as pessoas ativistas de suas 237 organizações afiliadas, assim como organizações e pessoas aliadas, para a I Marcha Nacional contra a Homofobia, vinda de todas as 27 unidades da federação, tendo como destino a cidade de Brasília. No dia 19 de maio de 2010, será realizado o 1º Grito Nacional pela Cidadania LGBT e Contra a Homofobia, com concentração às 9 Horas, no gramado da Esplanada dos Ministérios, em frente à Catedral metropolitana de Brasília.

Em 17 de maio é comemorado em todo o mundo o Dia Mundial contra a Homofobia (ódio, agressão, violência contra Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais – LGBT). A data é uma vitória do Movimento que conseguiu retirar a homossexualidade da classificação internacional de doenças da Organização Mundial de Saúde, em 17 de maio de 1990.

No Brasil , todos os dias , 20 milhões de brasileiras e brasileiros assumidamente lésbicas, gays, bissexuais, travestis ou transexuais -LGBT têm violados os seus direitos humanos, civis , econômicos, sociais e políticos. “Religiosos” fundamentalistas, utilizam-se dos Meios de Comunicação públicos, das Câmaras Municipais, Assembleias Legislativas, Câmara Federal e Senado para pregar o ódio aos cidadãos e cidadãs LGBT e impedir que o artigo 5 da Constituição federal ( “todos são iguais perante a lei") seja estendido aos milhões de LGBT do Brasil. Sem nenhum respeito ao Estado Laico, os fundamentalistas religiosos utilizam-se de recursos e espaços públicos (escolas, unidades de saúde, secretarias de governo, praças e avenidas públicas, auditórios do legislativo, executivo e judiciário) para humilhar, atacar, e pregar todo seu ódio contra cidadãos e cidadãs LGBT. O resultado desse ataque dos Fundamentalistas religiosos tem sido:

- O assassinato de um LGBT a cada dois no Brasil (dados do Grupo Gay da Bahia - GGB) por conta de sua orientação sexual (Bi ou Homossexual) ou identidade de gênero (Travestis ou Transexuais);
- O Congresso Nacional não aprova nenhuma lei que garanta a igualdade de direitos entre cidadãos(ãs) Heterossexuais e Homossexuais no Brasil;
- O Supremo Tribunal Federal não julga as Arguições de Descumprimento de Preceitos Fundamentais e Ações Diretas de Inconstitucionalidade que favoreçam a igualdade de direitos no Brasil;
- O Executivo Federal não implementa na sua totalidade o Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos de LGBT;
- Centenas de adolescentes e jovens LGBT são expulsos diariamente de suas casas;
- Milhares de LGBT são demitidos ou perseguidos no trabalho por discriminação sexual;
- Travestis, Transexuais, Gays e Lésbicas abandonam as escolas por falta de uma política de respeito à diversidade sexual nas escolas brasileiras;
- Os orçamentos da união, estados e municípios, nada ou pouco contemplam recursos para ações e políticas públicas LGBT;

O Ministério da Saúde, Secretarias Estaduais e Municipais precisam pactuar e colocar em prática a Política Integral da Saúde LGBT. As Secretarias de Justiça, Segurança Pública, Direitos Humanos e Guardas-Municipais não possuem uma política permanente de respeito ao público vulnerável LGBT, agredindo nossa comunidade, não apurando os crimes de homicídios e latrocínios contra LGBT e nem prendendo seguranças particulares que espancam e expulsam LGBT de festas, shoppings, e comércio em geral.

A 1ª Marcha Nacional LGBT exige das autoridades Públicas Brasileiras :

- Garantia do Estado Laico (Estado em que não há nenhuma religião oficial, as manifestações religiosas são respeitadas, mas não devem interferir nas decisões governamentais)

- Combate ao Fundamentalismo Religioso.

- Executivo: Cumprimento do Plano Nacional LGBT na sua totalidade, especialmente nas ações de Educação, Saúde, Segurança e Direitos Humanos, além de orçamentos e metas definidas para as ações.

- Legislativo: Aprovação imediata do PLC 122/2006 (Combate a toda discriminação, incluindo a homofobia).

- Judiciário: Decisão Favorável sobre União Estável entre casais homoafetivos, bem como a mudança de nome de pessoas transexuais.

Viva a

I Marcha Nacional LGBT contra a Homofobia no Brasil.

1º Grito Nacional pela Cidadania LGBT e Contra a Homofobia

Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais - ABGLT

domingo, 4 de abril de 2010

Poema Falado: Os Lusíadas

Caminhar pelas ruas da bela e formosa Lisboa foi para mim como encontrar pedaços meus dispersos aqui e acolá. Foi como reavivar lembranças há muito adormecidas e despertar recordações de tempos imemoriais, quando o Brasil não existia sequer no desejo aventureiro dos destemidos corações lusos. Corações de uma gente antes de tudo brava e forte, cuja audácia redesenhou a geografia ocidental, definiu e redefiniu fronteiras, inventou e reinventou línguas, criou e recriou um mundo novo jamais imaginado. Grandes feitos comparáveis tão somente aos feitos dos mitológicos argonautas. Em homenagem ao peito ilustre lusitano, a quem Netuno e Marte obedeceram, e de onde o Brasil brotou, o Poema Falado deste mês é Os Lusíadas (Canto I, fragmento), do lusitano-mor Luis Vaz de Camões, cuja língua gosto muito de roçar. Boa leitura (por Sílvio Benevides).

Cessem do sábio Grego e do Troiano / As navegações grandes que fizeram; / Cale-se de Alexandro e de Trajano / A fama das vitórias que tiveram; / Que eu canto o peito ilustre Lusitano, / A quem Netuno e Marte obedeceram. / Cesse tudo o que a Musa antiga canta, / Que outro valor mais alto se levanta [...] // Dai-me uma fúria grande e sonorosa, / E não de agreste avena ou flauta ruda, / Mas de tuba canora e belicosa, / Que o peito acende e a cor ao gesto muda; / Dai-me igual canto aos feitos da famosa / Gente vossa, que a Marte tanto ajuda; / Que se espalhe e se cante no universo, / Se tão sublime preço cabe em verso [...] // Dai vós favor ao novo atrevimento, / Pera que estes meus versos vossos sejam, / E vereis ir cortando o salso argento / Os vossos Argonautas, por que vejam / Que são vistos de vós no mar irado, / E costumai-vos já a ser invocado. / Já no largo Oceano navegavam, / As inquietas ondas apartando; / Os ventos brandamente respiravam, / Das naus as velas côncavas inchando; / Da branca escuma os mares se mostravam / Cobertos, onde as proas vão cortando / As marítimas águas consagradas, / Que do gado de Próteu são cortadas, // — «Eternos moradores do luzente, / Estelífero Pólo e claro Assento: / Se do grande valor da forte gente / De Luso não perdeis o pensamento, / Deveis de ter sabido claramente / Como é dos Fados grandes certo intento / Que por ela se esqueçam os humanos / De Assírios, Persas, Gregos e Romanos (por Luís Vaz de Camões).