domingo, 29 de março de 2009

Quem foi ALAN TURING?

Semana passada, publiquei um texto sobre a intolerância e como ela foi duramente criticada, em diferentes épocas, por três artistas magníficos: George Wilhelm Pabst, Nelson Rodrigues e Renato Russo. Esta semana volto ao tema da intolerância, reproduzindo uma matéria sobre o Alan Turing, considerado por muitos o pai da ciência da computação, que foi publicada na Revista Superinteressante em dezembro de 2000 (Edição 159). A despeito da sua genialidade e da enorme contribuição dos seus estudos matemáticos para os avanços técnico-científicos perpetrados pela comunidade acadêmica internacional, a sua homossexualidade foi determinante para que os intolerantes de plantão, essas aberrações em forma de gente, tramassem o seu assassinato. Espero que a leitura da matéria abaixo possa ser o estopim para uma reflexão sobre esse tema (por Coccinelle).

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O inventor do computador salvou o mundo do nazismo. Sua recompensa foi uma cela de prisão, condenado por ser homossexual.
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O que dizer de um homem que criou a teoria da computação e, não satisfeito, arregaçou as mangas e assumiu um papel central na constru­ção dos primeiros computadores? De um mate­mático que venceu com cálculos as bombas de Hitler? No mínimo, que merecia uma estátua no Vale do Silício, um en­terro com glórias de herói, que seu nome deveria virar no­me de ruas, avenidas, universidades. Mas esse homem morreu esquecido. Sua história só é conhecida graças à biografia monumental, escrita em 1983 pelo matemático Andrew Hodges. Mas estou me adiantando. Comecemos do começo.

Alan Turing nasceu em 1912, em Londres. Era um garoto tími­do, sem muito talento para o con­vívio social e sem muito cuidado com a aparência. Na escola, des­tacava-se apenas por ser esquisi­to – introvertido, irônico, pouco disposto a respeitar regras. Um cara tão estranho que, no fute­bol, gostava de ser bandeirinha.

Aos 16 anos, conheceu um garoto muito inteligente chama­do Christopher Morcom. Naquele momento, Turing descobriu um fato que mudou sua vida (e, no­vamente me adiantando, aproximou sua morte): ele era gay. Chris morreu em 1930 de pneumonia bovina (transmitida pelo leite). Essa primeira paixão mar­caria Alan para sempre. Foi em parte devido à vontade de conti­nuar o legado intelectual do ami­go que Turing se aplicou nos es­tudos, na faculdade de Matemá­tica, e tornou-se conhecido dos professores de Cambridge por seu raciocínio brilhante.

Em 1937, publicou um artigo – “Sobre as Máquinas Compu­táveis” – que teve uma importância enorme para a mate­mática pura: nele, provava que existiam cálculos impossí­veis de serem feitos. Mas também trazia uma aplicação prática que ninguém, na época, percebeu. Turing imagina­ra uma máquina capaz de fazer todos os cálculos possíveis, desde que lhe dessem as instruções adequadas. O artigo não fazia menção a chips ou processadores, continha ape­nas fórmulas matemáticas. Mas a descrição era exatamen­te daquilo que, mais tarde, mudaria o mundo com o nome de computador.

Por falar em mudar o mundo, naquele momento surgia um austríaco obcecado por impor suas idéias ao planeta: Adolf Hitler. Um de seus trunfos era uma máquina chamada Enigma – um sistema de engrenagens capaz de emba­ralhar as letras das mensagens antes da transmissão por telégrafo. Os alemães consideravam esse código indecifrá­vel. Caberia a Turing, convocado em 1939 pelo exército bri­tânico, decifrá-lo.

Um ano mais tarde, a guerra parecia uma barbada para Hitler. A Europa continental havia caído e as ilhas britânicas estavam, bem, ilhadas – dependiam dos navios que cruzavam o Atlântico com armas e mantimentos americanos. Os submarinos alemães afundavam 200.000 toneladas de embarcações todo mês e o único jeito de descobrir a posição dos submarinos era deci­frar suas mensagens.

Turing tirou a cabeça das má­quinas teóricas e sujou as mãos na graxa de engenhocas reais. Uma delas, o Colossus, é tataravó do PC no qual digito agora. No começo, elas demoravam semanas para tor­nar uma mensagem compreensí­vel Mas, em 1942, os ingleses já decodificavam 50.000 mensagens por mês, uma por minuto. Os submarinos alemães eram abatidos como moscas. O preconceituoso Hitler, cuja equipe olímpica tinha sido derrotada em 1936 pelo atleta negro americano Jesse Owens, perdia a guerra para um intelectual homossexual. O ditador nunca soube disso.

Aliás, nem a mãe de Turing. Sua participação na guerra permaneceu secreta por décadas. Tanto que, quando a polícia o prendeu em 1952 por grande indecência ­em outras palavras, homossexua­lismo, ninguém o defendeu di­zendo que se tratava de um herói de guerra. Para enfrentar o julgamento teve que se afastar de suas pesquisas sobre inteligência artificial ­Turing é inventor de um teste até hoje usado para deci­dir se uma máquina pensa. Acabou condenado a um tra­tamento com hormônios que arruinou seu físico. Na noite de 7 de junho de 1954, atormentado, o ma­temático deitou-se na cama e mordeu uma maçã. Na ma­nhã seguinte, não acordou. A fruta havia sido mergulha­da numa jarra de cianeto.
(por Denis Russo Burgierman)

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