segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

HISTÓRIA: O holocausto dos homossexuais

Embora costumemos associar o holocausto ao sofrimento dos judeus, é preciso lembrar que também os gays alemães sofreram nas mãos dos nazistas. Com a unificação da Alemanha, em 1871, o parágrafo 175 do código penal prussiano passou a ser aplicado em todo o país. Esse parágrafo tornava punível qualquer ato sexual entre homens. É importante lembrar que a lei não incluía o lesbianismo.

Mas, de fato, a lei não era aplicada e, no começo do século XX, a Alemanha assistia a um intenso movimento para legalizar a homossexualidade. Isso se deveu principalmente aos esforços do Dr. Magnus Hirschfeld que, em 1897, fundou o Comitê Cientifico Humanitário, que mais tarde se transformaria no Instituto de Pesquisa da Sexualidade. Este movimento cresceu muito nos anos que antecederam a ascensão de Hitler. Fundaram-se vários grupos de luta pelos direitos dos homossexuais e a cultura gay teve bastante influência na sociedade da época.

Em fevereiro de 1930, um mês após ter sido eleito chanceler da Alemanha, Hitler baniu a pornografia, junto com todas as organizações que lutavam pelos direitos dos homossexuais. Em 7 de março, Kurt Hiller, sucessor de Hirschifeld no Instituto de Pesquisa da Sexualidade, foi preso e levado a um campo de concentração.

Em 6 de maio, o Instituto de Pesquisa da Sexualidade foi completamente destruído. Todos os livros e artigos de Hirschfeld foram queimados. No verão de 1933, a polícia política de Hitler invadiu os bares gays por toda a Alemanha, sendo muitos deles fechados.

Assim como os judeus, a maior parte dos homossexuais não acreditava que, num país “civilizado”, as coisas pudessem ficar ainda piores. As pessoas esperavam que as coisas fossem se acalmar e tudo fosse voltar ao normal. O ataque ao IPS foi interpretado por muitos gays como uma estratégia para, atingir, de fato, os judeus. Alguns se sentiam também confortados com o fato, largamente conhecido, de que o braço direito de Hitler, Ernst Roehm, era homossexual.

Não obstante, o próprio Roehm foi alvo de um lobby do general Heinrich Himmler e outros na hierarquia nazista que queriam desqualificá-lo, justamente por causa de sua homossexualidade. De 28 de junho a 3 de julho de 1934, um banho de sangue (conhecido como as "Noites das Longas Navalhas") abateu sobre a SA, eliminando Roehm e todos os seus subordinados.

Logo que assumiu, Himmler criou a GESTAPO, organização que, mais tarde, exterminaria populações inteiras. Criou também a Secretaria Federal de Segurança de Combate ao Aborto e ao Homossexualismo. Acreditando que a homossexualidade devia ser considerada uma doença contagiosa, que podia afetar os jovens e futuros soldados alemães, Himmler pregava o Juízo Final tanto para os judeus quanto para os homossexuais. Ele dizia: “Nós devemos exterminar o mal pela raiz. Imaginem quantas crianças jamais irão nascer por causa disso... Quando alguém no Serviço de Segurança, no SS, ou no governo possui tendências homossexuais, ele abandona a ordem moral das coisas e passa para o mundo pervertido dos homossexuais... O homossexual é um traidor de seu próprio povo e deve ser estirpado”.

Os primeiros a serem aprisionados foram os líderes das organizações de emancipação homossexual. No início de 1933, enquanto todos tentavam esconder sua orientação sexual, alguns gays foram enviados a Dachau (campo de concentração perto de Munique), pois para o inquisidor alemão, Himmler, os criminosos deveriam ser reeducados nos campos de concentração.

Em 24 de outubro de 1934, a GESTAPO instruiu departamentos de polícia por toda a Alemanha a fazerem listas com pessoas que tivessem alguma atividade homoerótica. Por fim, em 28 de junho de 1935, os gays, assim como outras minorias sexuais foram considerados foras-da-lei, e o parágrafo 175 foi alterado para incluir qualquer contato íntimo entre homens, mesmo que fosse um simples olhar.

Embora muitos gays tenham conseguido livrar-se da prisão, estimativas confiáveis indicam que pelo menos 50 a 63 mil homens foram condenados por prática de “homossexualismo”. Segundo Haeberle, entre cinco e quinze mil homossexuais pereceram nos campos de concentração. O estudioso relata ainda que os gays viviam constantemente a aflição de saber que, se fossem descobertos, também poderiam ser levados aos campos, onde a doença, o definhamento e a morte certamente os esperavam. No campos, os homossexuais eram espancados, chutados, esbofeteados e hostilizados por todos, inclusive pelos outros prisioneiros. Eles eram isolados de todos e recebiam o pior dos trabalhos. Não podiam manter qualquer tipo de atividade sexual, até mesmo a masturbação.

Os homens que viviam sob o signo do "triângulo rosa" eram hierarquicamente inferiores dentro dos campos. Enfrentavam, mais do que qualquer outro prisioneiro, dificuldades para se comunicarem com o mundo exterior. Para os heterossexuais era difícil, mas não impossível. Era possível contrabandear comida, cartas ou até mesmo, ocasionalmente, conseguir uma libertação ou uma transferência através de seus parentes. Já os homossexuais tinham as relações cortadas com o mundo exterior. Poucos familiares desejavam ou tinham coragem de ajudar os condenados pelos crimes previstos no Parágrafo 175. Tal era o clima de terror que os nazistas criaram. A situação vivida nos campos fazia com que os prisioneiros gays fossem rápida e sistematicamente exterminados.

Os três mais terríveis destinos que aguardavam os homossexuais que caiam nas mãos dos nazistas eram: 1) as fábricas de pólvora, onde qualquer um ficava com tuberculose em pouco mais de duas semanas, pois tinha que trabalhar e viver em túneis; 2) as fábricas de cimento, onde o trabalho era literalmente pesado e, muitas vezes, eram jogados em valas de concreto; 3) e os laboratórios médicos, onde era feita, sem anestesia, toda forma de experiência.

Mesmo após a liberação dos campos, no final da segunda guerra, continuou a perseguição aos homens do triângulo rosa. O mundo do pós-guerra ainda era oficialmente hostil em relação aos homossexuais. Só para termos uma idéia, o Parágrafo 175 apenas foi revogado em 1967, na antiga Alemanha Oriental e, em 1969, na Ocidental. No final da guerra, os juízes americanos e britânicos que presidiram a liberação dos campos não eram menos homofóbicos. Eles estabeleceram que os prisioneiros que haviam sido condenados devido a crimes sexuais, deveriam cumprir (pasmem!) o restante de sua pena em uma cadeia. O argumento usado era de que um campo de concentração não era exatamente uma prisão!

Diferentemente de outros grupos perseguidos, nenhuma compensação foi dada aos prisioneiros gays para ajustarem-se à vida do pós-campo. Uma vez que suas famílias recusavam-se a recebê-los, que seus amigos haviam mudado para locais distantes e que seus amantes estavam mortos, tornou-se extremamente difícil recuperarem-se emocional e psicologicamente do horror dos campos da morte.

O historiador Erwin Haerberle deixou isso muito claro: “O rebaixamento verbal dos homossexuais, a estigmatização, o aprisionamento e, finalmente, as 'curas' forçadas em virtude de suas supostas condições clínicas — com todas essas ações, os nazistas simplesmente continuaram e intensificaram o que antes sempre tinha sido uma prática comum e o que, de diferentes maneiras, ainda continua em muitas sociedades, incluindo a nossa”. Diante destes fatos, a pergunta óbvia que fazemos (e que não deixa de ter um quê de ingenuidade) é: como puderam fazer tamanha injustiça? Como o sentimento da homofobia pôde crescer numa nação “civilizada” como a Alemanha?

Como Haerbele, alguns historiadores relacionam o aumento da homofobia com a queda da Bolsa de Valores. Sustentam que a tolerância sexual de que os gays gozavam na Alemanha começou a decair na mesma proporção que a economia do país. Realmente, a queda da Bolsa de Valores, em 1929, levou ao colapso dos bancos na Alemanha e na Áustria, e consequentemente, muitas fundações entraram em falência. Em Berlim, o ódio contra judeus, homossexuais e comunistas ganhou força com a ideologia nacionalista. Devemos ter em mente, porém, que a crise econômica já vinha desde a primeira guerra. Mas o aprofundamento da crise inegavelmente contribuiu para a propagação da homofobia. Não é, contudo, nosso objetivo explorar, aqui, as causas do homofobia nazista.

O que nos parece importante salientar é fato de que os nazistas empreenderam, com base na Lei, uma campanha paulatina contra homossexuais: se, no início, basearam suas ações nas leis homofóbicas existentes, com o passar do tempo, foram criando mecanismos específicos para a criminalização da homossexualidade, o que nos leva a questionar, como Antígona, a ilegitimidade da lei injusta.

Uma reflexão sobre medidas autoritárias de governantes reacionários remeter-nos-ia a episódios marcantes da história das civilizações, mas também nos traria até aos dias de hoje, onde vemos inúmeros países em que a mesma e cruel legislação (nazista, poder-se-ia dizer) ainda está em pleno vigor. É o caso de certos países islâmicos, em que a pena para o crime das práticas homófilas continua sendo o fuzilamento ou o enterro dos "criminosos" ainda vivos. É também o caso dos Estados Unidos, que se gabam de ser a nação da liberdade, mas que mantêm legislações estaduais extremamente rigorosas contra os homossexuais (por Elias Ribeiro de Castro – pesquisador do Centro Acadêmico de Estudos Homoeróticos da USP).

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