segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Mensagem de Ano Novo

Final de ano, época de férias. Férias, sinônimo de preguiça. Estava eu a pensar o que postar, quando de repente me deparei com a mensagem de final de ano do blog Salvador na sola do pé, do meu amigo Sílvio Benevides. Gostei muito e por isso resolvi copiar e colar aqui, no melhor estilo Pappillon. Agradeço ao Sílvio por permitir colocar sua mensagem aqui e aproveito a oportunidade para desejar a todos e todas um excelente 2010. São os votos, sinceros, de COCCINELLE!

Em 2008, o Salvador na sola do pé encerrou o ano com uma série de manchetes veiculadas à época pelos meios de comunicação como uma maneira de refletir sobre os votos de felicidades comuns nesse período de virada de um ano para o outro. As manchetes não eram nada animadoras. A situação política, econômica e social no final do ano passado era bastante difícil. E hoje? Mudou? Creio que não. Dificuldades sempre existiram e continuarão a existir nesse ano e nos próximos que virão. Entretanto, não é sobre as dificuldades do mundo e da vida que desejo discorrer. Nesse final de ano me apropriei das palavras do poeta William Vicente Borges a fim de dizer o que eu desejo para 2010: “Que na sua vida... / Tudo tenha a beleza das flores, / Que não falte a luz do luar, / Que os amigos sejam todos sinceros, / Que o mar nunca se agite, mas se agitar / que o barco nunca afunde. / Que os beija-flores visitem / todos os dias o seu jardim, / Que os passarinhos cantem em sua janela, / Que os sorrisos se multipliquem / em sua face. / Que a inspiração renasça / a cada manhã. / Que teus sonhos sejam realizados, / Que seus dias de semana, sejam como o domingo. / Que o mal não chegue a porta da casa. / Que a tua dispensa esteja sempre abarrotada. / Que teus olhos só contemplem bondade, / Que cada passo teu seja iluminado por Deus. / Que todas as manhãs te recebam com um sorriso. É O QUE EU DESEJO”.

E para terminar o ano em grande estilo, um Poema Falado sobre o amor, Soneto CXVI, escrito por William Shakespeare. Como dizia um dos inúmeros grafites do Maio de 1968 francês: Faça amor, não faça guerra! Que 2010 traga muito amor e que todos tenham muito amor para dar e receber (por Sílvio Benevides).

domingo, 20 de dezembro de 2009

Rei Menino

No princípio já existia o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Ele estava, no princípio com Deus, tudo começou a existir por meio dele, e sem Ele, nada foi criado. Nele estava a Vida e a Vida era a luz dos homens. A luz resplandece nas trevas, mas as trevas não a admitiram. Surgiu um homem enviado por Deus, cujo nome era João. Veio como testemunha, para dar testemunho da luz, a fim de todos crerem por Seu intermédio. Ele não era a luz, mas veio para dar testemunho da luz. O Verbo era a luz verdadeira que, vindo ao mundo, a todo o homem ilumina. Estava no mundo, e o mundo foi feito por Ele, mas o mundo não O conheceu. Veio ao que era Seu e os Seus não O receberam, aos que crêem nele, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus. E o Verbo fez-se homem e habitou entre nós, e nós vimos a sua glória, glória que Lhe vem do Pai, como Filho único cheio de graça e de verdade. João dá testemunho dele e exclama nestes termos: “Este é Aquele de quem eu disse: o que vem depois de mim passou à minha frente porque existia antes de mim”. E a Sua plenitude é que todos nós recebemos, graça sobre graça. Porque, se a lei foi dada por meio de Moisés, a graça e a verdade vieram por meio de Jesus Cristo. Ninguém jamais viu Deus: o Filho único, que está no seio do Pai é que O deu a conhecer (Jo, 1:1-18).

O Natal significa para os cristãos do mundo inteiro a celebração pelo nascimento de Cristo, a celebração pela encarnação do Verbo. Verbo que instituiu o amor, o cuidado e o respeito ao próximo como o principal e mais importante dos seus mandamentos. Esse é o sentido do Natal para os cristãos. Ao menos deveria ser. Infelizmente, esse sentido está se perdendo e a principal personagem desta festa está, ano a ano, perdendo espaço para uma outra, que deveria passar de um mero figurante, o Papai Noel. O consumismo desenfreado de nossos tempos elevou Papai Noel à categoria de estrela maior do Natal. Quanto a Jesus e seu legado, este se perde pouco a pouco. Para tentar resgatar o real sentido dos festejos natalinos, o Poema Falado deste mês (excepcionalmente postado no domingo que antecede o Natal) traz um texto do Carlos Drummond de Andrade, Rei Menino, que diz: “O estandarte do Rei não é de púrpura e brocado, é um lírio flutuante sobre o caos, onde ambições se digladiam e ódios se estraçalham. O Rei vem cumprir o anúncio de Isaías: vem para evangelizar os brutos, consolar os que choram, exaltar os cobertos de cinza, desentranhar o sentido exato da paz, magnificar a justiça. Entre Belém e Judá e Wall Street, no torvelinho de negações e equívocos, a vergasta de luz deixa atônitos os fariseus. Cegos distinguem o sinal, surdos captam a melodia de anjos-cantadores, mudos descobrem o movimento da palavra. O Rei sem manto e sem jóias, nu como folha de erva, distribui riquezas não tituladas. Oferece a transparência da alma liberta de cuidados vis. As coisas já não são as antigas coisas de perecível beleza e o homem não é mais cativo de sua sombra. A limitação dos seres foi vencida Por uma alegria não censurada, graça de reinventar a Terra, antes castigo e exílio, hoje flecha em direção infinita. O Rei, criança, permanecerá criança mesmo sob vestes trágicas porque assim o vimos e queremos, assim nos curvamos diante do seu berço tecido de palha, vento e ar. Seu sangrento destino prefixado não dilui a luminosidade desta cena. O menino, apenas um menino, acima das filosofias, da cibernética e dos dólares, sustenta o peso do mundo na palma ingênua das mãos”. Boa leitura e um ótimo Natal!
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domingo, 13 de dezembro de 2009

Da amizade como modo de vida

De l'amitié comme mode de vie. Entrevista de Michel Foucault a R. de Ceccaty, J. Danet e J. le Bitoux, publicada no jornal Gai Pied, nº 25, abril de 1981, pp. 38-39. Tradução de Wanderson Flor do Nascimento.

Gai Pied – Você é quinquagenário. É um leitor deste jornal que existe há dois anos. O conjunto destes discursos te parece algo de positivo?

Que o jornal exista é algo de positivo e importante. Ao seu jornal, o que eu pediria era que, lendo, eu não tivesse que colocar a questão da minha idade. Entretanto, a leitura me força a colocá-la. E eu não fiquei muito contente com a maneira como fui levado a fazê-lo. Muito simplesmente, eu não teria lugar ali.

Gai Pied - Quem sabe o problema seja da faixa etária dos que nele colaboram e dos que o lêem: uma maioria entre 25 e 35 anos.

Certamente. Quanto mais é escrito por pessoas jovens, mais diz respeito às pessoas jovens. Mas o problema não é ceder lugar a uma faixa etária de um lado a outro, mas saber o que se pode fazer em relação à quase identificação da homossexualidade com o amor entre jovens. Outra coisa da qual é preciso desconfiar é a tendência de levar a questão da homossexualidade para o problema "Quem sou eu? Qual o segredo do meu desejo?" Quem sabe, seria melhor perguntar: "Quais relações podem ser estabelecidas, inventadas, multiplicadas, moduladas através da homossexualidade?" O problema não é o de descobrir em si a verdade sobre seu sexo, mas, mais importante que isso, usar, daí em diante, de sua sexualidade para chegar a uma multiplicidade de relações. E essa, sem dúvida, é a razão pela qual a homossexualidade não é uma forma de desejo, mas algo de desejável. Temos que nos esforçar em nos tornar homossexuais e não nos obstinarmos em reconhecer que o somos. É para essa direção que caminham os desenvolvimentos do problema da homossexualidade, para o problema da amizade.

Gai Pied - Você pensou isso aos 20 anos ou descobriu no decorrer dos anos?

Tão longe quanto me recordo, desejar rapazes é desejar relações com rapazes. E isso foi sempre, para mim, algo importante. Não forçosamente sob a forma do casal, mas como uma questão de existência: Como é possível para homens estarem juntos? Viver juntos, compartilhar seus tempos, suas refeições, seus quartos, seus lazeres, suas aflições, seus saberes, suas confidências? O que é isso de estar entre homens, "despidos", fora das relações institucionais, de família, de profissão, de companheirismo obrigatório? É um desejo, uma inquietação, um desejo-inquietação que existe em muitas pessoas.

Gai Pied - Pode-se dizer que a relação com o desejo, com o prazer e a relação que alguém pode ter, seja dependente de sua idade?

Sim, muito profundamente. Entre um homem e uma mulher mais jovem, a instituição facilita as diferenças de idade, as aceita e as faz funcionar. Dois homens de idades notavelmente diferentes, que código terão para se comunicar? Estão um em frente ao outro sem armas, sem palavras convencionais, sem nada que os tranquilize sobre o sentido do movimento que os leva um para o outro. Terão que inventar de A a Z uma relação ainda sem forma que é a amizade: isto é, a soma de todas as coisas por meio das quais um e outro podem se dar prazer. É uma das concessões que se fazem aos outros de apenas apresentar a homossexualidade sob a forma de um prazer imediato, de dois jovens que se encontram na rua, se seduzam por um olhar, que põem a mão na bunda um do outro e fiquem devaneando por um quarto de hora. Esta é uma imagem comum da homossexualidade que perde toda a sua virtualidade inquietante por duas razões: ela responde a um cânone tranqüilizador da beleza e anula o que pode nesse encontro vir a inquietar no afeto, carinho, amizade, fidelidade, coleguismo, companheirismo, aos quais uma sociedade um pouco destrutiva não pode ceder espaço sem temer que se formem alianças, que se tracem linhas de força imprevistas. Penso que é isto o que torna "perturbadora" a homossexualidade: o modo de vida homossexual muito mais que o ato sexual mesmo. Imaginar um ato sexual que não seja conforme a lei ou a natureza, não é isso que inquieta as pessoas. Mas que indivíduos comecem a se amar: ai está o problema. A instituição é sacudida, intensidades afetivas a atravessam; ao mesmo tempo, a dominam e perturbam. Olhe o exército: ali o amor entre homens é, incessantemente, convocado e honrado. Os códigos institucionais não podem validar estas relações das intensidades múltiplas, das cores variáveis, dos movimentos imperceptíveis, das formas que se modificam. Estas relações instauram um curto-circuito e introduzem o amor onde deveria haver a lei, a regra ou o hábito.

Gai Pied - Você costuma dizer: "mais que chorar por prazeres esfacelados, me interessa o que podemos fazer de nós mesmos". Poderia explicar isso melhor?

O ascetismo como renúncia ao prazer tem má reputação. Porém a ascese é outra coisa. É o trabalho que se faz sobre si mesmo para transformar-se ou para fazer aparecer esse si que, felizmente, não se alcança jamais. Não seria este o nosso problema hoje? Demos férias ao ascetismo. Temos que avançar em uma ascese homossexual que nos faria trabalhar sobre nós mesmos e inventar – não digo descobrir – uma maneira de ser, ainda improvável.

Gai Pied - Isso quer dizer que um jovem homossexual deveria ser muito prudente em relação à produção da imagem homossexual e trabalhar sobre outra coisa?

Isso no que devemos trabalhar, me parece, não é tanto em liberar nossos desejos, mas em tornar a nós mesmos infinitamente mais suscetíveis a prazeres. É preciso, insisto, é preciso escapar das duas fórmulas completamente feitas sobre o puro encontro sexual e sobre a fusão amorosa das identidades.

Gai Pied - Podem-se ver premissas de construções relacionais fortes nos EUA, sobretudo, nas cidades onde o problema da miséria sexual parece resolvido?

O que me parece certo é que nos EUA, mesmo se no fundo a miséria sexual ainda exista, o interesse pela amizade tem se tornado muito importante. Não se entra simplesmente na relação para poder chegar à consumação sexual, o que se faz muito facilmente; mas aquilo para o que as pessoas são polarizadas é a amizade. Como chegar, por meio das práticas sexuais, a um sistema relacional? É possível criar um modo de vida homossexual? Esta noção de modo de vida me parece importante. Não seria preciso introduzir uma diversificação outra que não aquela devida às classes sociais, às diferenças de profissão, de níveis culturais, uma diversificação que seria também uma forma de relação e que seria o “modo de vida"? Um modo de vida pode ser partilhado por indivíduos de idade, estatuto e atividade sociais diferentes. Pode dar lugar a relações intensas que não se pareçam com nenhuma daquelas que são institucionalizadas e me parece que um modo de vida pode dar lugar a uma cultura e a uma ética. Acredito que ser gay não seja se identificar aos traços psicológicos e às máscaras visíveis do homossexual, mas buscar definir e desenvolver um modo de vida.

Gai Pied - Não é uma mitologia dizer: “Eis-nos, talvez, dentro das premissas de uma socialização entre seres, que é inter-classes, inter-idades, inter-nações”?

Sim, um grande mito como dizer: não haverá mais diferenças entre a homossexualidade e a heterossexualidade. Por outro lado, penso que é uma das razões pelas quais a homossexualidade se torna um problema atualmente. Acontece que a afirmação de que ser homossexual é ser um homem e que este se ama, esta busca de um modo de vida vai ao encontro desta ideologia dos movimentos de liberação sexual dos anos sessenta. Nesse sentido os "clones" bigodudos têm uma significação. É um modo de responder: "Não receiem nada, quanto mais se seja liberado, menos se amará as mulheres, menos se fundirá nesta polissexualidade onde não há mais diferença entre uns e outros." E não se trata, de modo algum, da idéia de uma grande fusão comunitária. A homossexualidade é uma ocasião histórica de reabrir virtualidades relacionais e afetivas, não tanto pelas qualidades intrínsecas do homossexual, mas pela posição de "enviesado", de alguma forma, as linhas diagonais que ele pode traçar no tecido social, as quais permitem fazer aparecerem essas virtualidades.

Gai Pied - As mulheres poderiam objetar: "O que os homens entre eles ganham em relação às relações possíveis entre um homem e uma mulher ou entre duas mulheres?”.

Há um livro que apareceu nos EUA sobre a amizade entre as mulheres [FADERMAN, Lillian. Surpassing the Love of Men. New York: William Marrow, 1980]. É muito bem documentado a partir de testemunhos de relações de afeição e paixão entre mulheres. No prefácio, a autora diz que ela havia partido da idéia de detectar as relações homossexuais e se deu por conta de que essas relações não somente não estavam sempre presentes, mas que não era interessante saber se se poderia chamar a isso de homossexualidade ou não. E que, deixando a relação desdobrar-se tal como ela aparece nas palavras e nos gestos, aparecem outras coisas bastante essenciais: amores, afetos densos, maravilhosos, ensolarados ou mesmo, muito tristes, muito sombrios. Este livro mostra também até que ponto o corpo da mulher desempenhou um grande papel e os contatos entre os corpos femininos: uma mulher penteia outra mulher, ela a ajuda a se maquiar e se vestir. As mulheres tinham direito ao corpo de outras mulheres, segurar pela cintura, abraçar-se. O corpo do homem estava proibido ao homem de maneira mais drástica. Se é verdade que a vida entre mulheres era tolerada, é somente em certos períodos e a partir do séc. XIX que a vida entre homens foi, não somente tolerada, mas rigorosamente obrigatória: simplesmente durante as guerras. Igualmente nos campos de prisioneiros. Havia soldados, jovens oficiais que passaram meses, anos juntos. Durante a guerra de 1914, os homens viviam completamente juntos, uns sobre aos outros, e, para eles isso não era nada, na medida em que a morte estava ali; e de onde vinha finalmente a devoção de um ao outro, o serviço prestado era sancionado por um jogo de vida e morte. Fora algumas frases sobre o coleguismo, sobre a fraternidade da alma, de alguns testemunhos muito parciais, o que se sabe sobre furacões afetivos, sobre essas tempestades do coração que puderam haver ali nesses momentos? E alguém pode perguntar o que fez que nessas guerras absurdas, grotescas, nesses massacres infernais, as pessoas, apesar de tudo, tenham se sustentado? Sem dúvida, um tecido afetivo. Não quero dizer que era porque eles estavam amando uns aos outros que continuavam combatendo. Mas a honra, a coragem, a dignidade, o sacrifício, sair da trincheira com o companheiro, diante do companheiro, isso implicava uma trama afetiva muito intensa. Isto não quer dizer: "Ah, está ai a homossexualidade!" Detesto este tipo de raciocínio. Mas, sem dúvida, se tem ai uma das condições, não a única, que permitiu suportar essa vida infernal em que as pessoas, durante semanas, rolassem no barro, entre os cadáveres, a merda, se arrebentassem de fome; e estivessem bêbadas na manhã do ataque. Eu queria dizer, enfim, que qualquer coisa refletida e voluntária, como uma publicação, deveria tornar possível uma cultura homossexual, isto é, possibilitar os instrumentos para relações polimorfas, variáveis, individualmente moduladas. Mas a idéia de um programa e de proposições é perigosa. Desde que um programa se apresenta, ele faz lei, é uma proibição de inventar. Deveria haver uma inventividade própria de uma situação como a nossa e dessa vontade que os americanos chamam de comming out, isto é, de se manifestar. O programa deve ser vazio. É preciso cavar para mostrar como as coisas foram historicamente contingentes, por tal ou qual razão inteligíveis, mas não necessárias. É preciso fazer aparecer o inteligível sobre o fundo da vacuidade e negar uma necessidade; e pensar que o que existe está longe de preencher todos os espaços possíveis. Fazer um verdadeiro desafio inevitável da questão: o que se pode jogar e como inventar um jogo?

Gai Pied - Obrigado, Michel Foucault.

domingo, 6 de dezembro de 2009

AIDS, cultura e mulheres

01 de dezembro é o dia escolhido pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como a data símbolo de combate ao HIV/AIDS. Desde os primeiros casos na década de 1980 até hoje muitos avanços ocorreram e muitas mudanças também. Atualmente, as mulheres estão mais vulneráveis ao contágio do que os homens. Na maioria dos casos por conta dos hábitos e costumes preservados por muitas culturas. Existem ainda, no mundo inteiro, várias práticas e tradições culturais que aumentam o risco de os jovens contrairem HIV/AIDS. Na maior parte das vezes, estas práticas e tradições afetam os jovens mais do que os adultos e o sexo feminino mais do que o masculino.

A situação da mulher

Em muitas sociedades, as mulheres são ensinadas e obrigadas a subordinar seus próprios interesses aos de seus parceiros. Sob tais expectativas, as jovens sentem-se freqüentemente impotentes para se proteger contra a infecção do HIV e contra a gravidez não intencional. Também é comum que as adolescentes sofram coerção e abuso sexual. No Quênia, 40% das estudantes secundárias e sexualmente ativas declararam ter sido forçadas ou enganadas a ter relações sexuais. Muitas vezes, as jovens acabam concordando com o ato sexual por medo de que, se recusarem, serão estupradas de qualquer maneira.

O abuso conjugal das mulheres é muito disseminado. Em alguns países, mais de 40% das mulheres já foram atacadas por seus próprios parceiros. A violência de um sexo contra o outro está intimamente relacionada ao HIV/AIDS. Por exemplo, em Ruanda, as mulheres soropositivas, cujo parceiro é também soropositivo, têm maior probabilidade de informar casos de coerção sexual em seu relacionamento do que as mulheres não soropositivas. Na Tanzânia, a violência perpetrada por parceiros era 10 vezes mais comum entre as mulheres soropositivas do que entre as soronegativas. Muitas mulheres não ousam lembrar aos parceiros a possibilidade do uso de preservativos para a proteção contra o HIV, pois temem sofrer abusos físicos.

Práticas matrimoniais

Em muitas culturas a importância dada à procriação leva geralmente aos casamentos adolescentes e à maternidade precoce. Meninas de pouco mais de 10 anos são oferecidas em casamento a homens mais velhos como forma de solidificar certos relacionamentos e laços econômicos entre famílias.

Quando garotas desta faixa de idade se casam com homens mais velhos, elas ficam mais vulneráveis à infecção do HIV porque seus maridos já tiveram uma série de outras parceiras sexuais. As barreiras sociais, políticas e religiosas geralmente escondem do mundo estas jovens esposas, enquanto seus maridos frequentemente dispõem de outras parceiras sexuais. A poliginia, prática do homem ter várias esposas, é freqüente em alguns países. Na África, quando o marido busca uma nova esposa, geralmente mais jovem, ele provavelmente experimenta várias mulheres sexualmente durante o processo e, assim, arrisca trazer o HIV para seu próprio lar. Em algumas culturas, existe a herança de esposas, uma tradição pela qual uma esposa é oferecida a um cunhado após a morte do marido. Assim, um deles pode estar se expondo ao risco de HIV se o outro estiver infectado. As viúvas mais jovens correm risco especial porque têm maior probabilidade de buscar ou ser buscadas por outros parceiros sexuais.

Em algumas sociedades, o pagamento do dote matrimonial é obrigatório quando um homem se casa. Em certas regiões da África, o homem paga este dote à família da esposa. Depois de selado o casamento com o dote, a mulher é considerada “paga” e, geralmente, não pode nunca abandonar o marido, mesmo que surjam problemas no casamento. Assim, mesmo que o comportamento do marido a coloque sob alto risco de infecção de HIV, a mulher não terá como se proteger.

Ritos de passagem

Os ritos culturais de passagem da infância à idade adulta, apesar de servirem tradicionalmente para unir as comunidades, pode aumentar os riscos de contrair o HIV. Por exemplo, as circuncisões masculinas e femininas são às vezes realizadas usando instrumentos não esterilizados. Os pesquisadores consideram que a circuncisão masculina reduz os riscos de transmissão do HIV ao remover parte do prepúcio, que é particularmente vulnerável ao HIV. Mas, em algumas comunidades, as cerimônias de circuncisão são às vezes acompanhadas de experiências sexuais de iniciação, as quais aumentam os riscos de contrair o HIV. Por exemplo, entre os Maasai da África Oriental, o relacionamento entre amigos é tão forte que, depois da circuncisão, os iniciados compartilham esposas e amantes.

Práticas sexuais

Algumas práticas sexuais tais como o sexo seco – inserção de objetos para secar a vagina ou torná-la mais resistente – pode provocar cortes e abrasões que criam aberturas para a passagem do HIV. Outras práticas, tais como os exames de virgindade de mulheres, tornam a castidade um prêmio tão cobiçado que muitas mulheres não casadas são levadas a praticar somente o coito anal, arriscando-se, assim, muito mais a contrair o HIV/AIDS do que se praticassem o coito vaginal.

FONTE: Population Reports, published by the Population Information Program, Center for Communication Programs, The Johns Hopkins School of Public Health.