Semana passada, publiquei um texto sobre a intolerância e como ela foi duramente criticada, em diferentes épocas, por três artistas magníficos: George Wilhelm Pabst, Nelson Rodrigues e Renato Russo. Esta semana volto ao tema da intolerância, reproduzindo uma matéria sobre o Alan Turing, considerado por muitos o pai da ciência da computação, que foi publicada na Revista Superinteressante em dezembro de 2000 (Edição 159). A despeito da sua genialidade e da enorme contribuição dos seus estudos matemáticos para os avanços técnico-científicos perpetrados pela comunidade acadêmica internacional, a sua homossexualidade foi determinante para que os intolerantes de plantão, essas aberrações em forma de gente, tramassem o seu assassinato. Espero que a leitura da matéria abaixo possa ser o estopim para uma reflexão sobre esse tema (por Coccinelle).
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O inventor do computador salvou o mundo do nazismo. Sua recompensa foi uma cela de prisão, condenado por ser homossexual.
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O que dizer de um homem que criou a teoria da computação e, não satisfeito, arregaçou as mangas e assumiu um papel central na construção dos primeiros computadores? De um matemático que venceu com cálculos as bombas de Hitler? No mínimo, que merecia uma estátua no Vale do Silício, um enterro com glórias de herói, que seu nome deveria virar nome de ruas, avenidas, universidades. Mas esse homem morreu esquecido. Sua história só é conhecida graças à biografia monumental, escrita em 1983 pelo matemático Andrew Hodges. Mas estou me adiantando. Comecemos do começo.
Alan Turing nasceu em 1912, em Londres. Era um garoto tímido, sem muito talento para o convívio social e sem muito cuidado com a aparência. Na escola, destacava-se apenas por ser esquisito – introvertido, irônico, pouco disposto a respeitar regras. Um cara tão estranho que, no futebol, gostava de ser bandeirinha.
Aos 16 anos, conheceu um garoto muito inteligente chamado Christopher Morcom. Naquele momento, Turing descobriu um fato que mudou sua vida (e, novamente me adiantando, aproximou sua morte): ele era gay. Chris morreu em 1930 de pneumonia bovina (transmitida pelo leite). Essa primeira paixão marcaria Alan para sempre. Foi em parte devido à vontade de continuar o legado intelectual do amigo que Turing se aplicou nos estudos, na faculdade de Matemática, e tornou-se conhecido dos professores de Cambridge por seu raciocínio brilhante.
Em 1937, publicou um artigo – “Sobre as Máquinas Computáveis” – que teve uma importância enorme para a matemática pura: nele, provava que existiam cálculos impossíveis de serem feitos. Mas também trazia uma aplicação prática que ninguém, na época, percebeu. Turing imaginara uma máquina capaz de fazer todos os cálculos possíveis, desde que lhe dessem as instruções adequadas. O artigo não fazia menção a chips ou processadores, continha apenas fórmulas matemáticas. Mas a descrição era exatamente daquilo que, mais tarde, mudaria o mundo com o nome de computador.
Por falar em mudar o mundo, naquele momento surgia um austríaco obcecado por impor suas idéias ao planeta: Adolf Hitler. Um de seus trunfos era uma máquina chamada Enigma – um sistema de engrenagens capaz de embaralhar as letras das mensagens antes da transmissão por telégrafo. Os alemães consideravam esse código indecifrável. Caberia a Turing, convocado em 1939 pelo exército britânico, decifrá-lo.
Um ano mais tarde, a guerra parecia uma barbada para Hitler. A Europa continental havia caído e as ilhas britânicas estavam, bem, ilhadas – dependiam dos navios que cruzavam o Atlântico com armas e mantimentos americanos. Os submarinos alemães afundavam 200.000 toneladas de embarcações todo mês e o único jeito de descobrir a posição dos submarinos era decifrar suas mensagens.
Turing tirou a cabeça das máquinas teóricas e sujou as mãos na graxa de engenhocas reais. Uma delas, o Colossus, é tataravó do PC no qual digito agora. No começo, elas demoravam semanas para tornar uma mensagem compreensível Mas, em 1942, os ingleses já decodificavam 50.000 mensagens por mês, uma por minuto. Os submarinos alemães eram abatidos como moscas. O preconceituoso Hitler, cuja equipe olímpica tinha sido derrotada em 1936 pelo atleta negro americano Jesse Owens, perdia a guerra para um intelectual homossexual. O ditador nunca soube disso.
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O que dizer de um homem que criou a teoria da computação e, não satisfeito, arregaçou as mangas e assumiu um papel central na construção dos primeiros computadores? De um matemático que venceu com cálculos as bombas de Hitler? No mínimo, que merecia uma estátua no Vale do Silício, um enterro com glórias de herói, que seu nome deveria virar nome de ruas, avenidas, universidades. Mas esse homem morreu esquecido. Sua história só é conhecida graças à biografia monumental, escrita em 1983 pelo matemático Andrew Hodges. Mas estou me adiantando. Comecemos do começo.
Alan Turing nasceu em 1912, em Londres. Era um garoto tímido, sem muito talento para o convívio social e sem muito cuidado com a aparência. Na escola, destacava-se apenas por ser esquisito – introvertido, irônico, pouco disposto a respeitar regras. Um cara tão estranho que, no futebol, gostava de ser bandeirinha.
Aos 16 anos, conheceu um garoto muito inteligente chamado Christopher Morcom. Naquele momento, Turing descobriu um fato que mudou sua vida (e, novamente me adiantando, aproximou sua morte): ele era gay. Chris morreu em 1930 de pneumonia bovina (transmitida pelo leite). Essa primeira paixão marcaria Alan para sempre. Foi em parte devido à vontade de continuar o legado intelectual do amigo que Turing se aplicou nos estudos, na faculdade de Matemática, e tornou-se conhecido dos professores de Cambridge por seu raciocínio brilhante.
Em 1937, publicou um artigo – “Sobre as Máquinas Computáveis” – que teve uma importância enorme para a matemática pura: nele, provava que existiam cálculos impossíveis de serem feitos. Mas também trazia uma aplicação prática que ninguém, na época, percebeu. Turing imaginara uma máquina capaz de fazer todos os cálculos possíveis, desde que lhe dessem as instruções adequadas. O artigo não fazia menção a chips ou processadores, continha apenas fórmulas matemáticas. Mas a descrição era exatamente daquilo que, mais tarde, mudaria o mundo com o nome de computador.
Por falar em mudar o mundo, naquele momento surgia um austríaco obcecado por impor suas idéias ao planeta: Adolf Hitler. Um de seus trunfos era uma máquina chamada Enigma – um sistema de engrenagens capaz de embaralhar as letras das mensagens antes da transmissão por telégrafo. Os alemães consideravam esse código indecifrável. Caberia a Turing, convocado em 1939 pelo exército britânico, decifrá-lo.
Um ano mais tarde, a guerra parecia uma barbada para Hitler. A Europa continental havia caído e as ilhas britânicas estavam, bem, ilhadas – dependiam dos navios que cruzavam o Atlântico com armas e mantimentos americanos. Os submarinos alemães afundavam 200.000 toneladas de embarcações todo mês e o único jeito de descobrir a posição dos submarinos era decifrar suas mensagens.
Turing tirou a cabeça das máquinas teóricas e sujou as mãos na graxa de engenhocas reais. Uma delas, o Colossus, é tataravó do PC no qual digito agora. No começo, elas demoravam semanas para tornar uma mensagem compreensível Mas, em 1942, os ingleses já decodificavam 50.000 mensagens por mês, uma por minuto. Os submarinos alemães eram abatidos como moscas. O preconceituoso Hitler, cuja equipe olímpica tinha sido derrotada em 1936 pelo atleta negro americano Jesse Owens, perdia a guerra para um intelectual homossexual. O ditador nunca soube disso.
Aliás, nem a mãe de Turing. Sua participação na guerra permaneceu secreta por décadas. Tanto que, quando a polícia o prendeu em 1952 por grande indecência em outras palavras, homossexualismo, ninguém o defendeu dizendo que se tratava de um herói de guerra. Para enfrentar o julgamento teve que se afastar de suas pesquisas sobre inteligência artificial Turing é inventor de um teste até hoje usado para decidir se uma máquina pensa. Acabou condenado a um tratamento com hormônios que arruinou seu físico. Na noite de 7 de junho de 1954, atormentado, o matemático deitou-se na cama e mordeu uma maçã. Na manhã seguinte, não acordou. A fruta havia sido mergulhada numa jarra de cianeto.
(por Denis Russo Burgierman)
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