domingo, 23 de novembro de 2008

Meu canto

A vida nos aponta inúmeros caminhos. Alguns fáceis de percorrer, outros bem tortuosos e difíceis, dado a sua natureza irregular. A tendência é optarmos por veredas tranqüilas e calmas. Preservação é um instinto. A calmaria, porém, na maioria das vezes, se configura num pesado fardo. O medo de amar é o medo da dor. A dor da rejeição, da incompreensão. Dor que lateja quando alguém a quem amamos se vai ou nunca vem. Dor. Mas que bobagem! Onde já se viu vida sem dor? Agora aqui estou a percorrer veredas tranqüilas e calmas. Fico a pensar na dor que jamais experimentei e percebo que de tanto me preservar, sequei. Estou só. Não vejo ninguém no meu caminho. Sigo meu desamparo qual folha morta (por Coccinelle).

Folha morta - Ary Barroso

ROSA PASSOS canta Ary Barroso em belo video clipe
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Sei que falam de mim
Sei que zombam de mim
Oh, Deus!
Como eu sou infeliz!
Vivo à margem da vida
Sem amparo ou guarida
Oh, Deus!
Como eu sou infeliz!
Já tive amores
Tive carinhos
Já tive sonhos
Os dissabores
Levaram minh’alma
Por caminhos tristonhos
Hoje sou folha morta
Que a corrente transporta
Oh, Deus!
Como eu sou infeliz!
Infeliz!
Eu queria um minuto apenas
Pra mostrar minhas penas
Oh, Deus!
Como eu sou infeliz!
*

terça-feira, 18 de novembro de 2008

O corpo

Os antigos definiam o corpo como instrumento da alma. A partir dessa perspectiva o corpo ora é visto com apreço pela função que exerce, sendo, assim, elogiado ou exaltado, como o fez Nietzsche ao afirmar – “Quem está desperto e consciente diz: sou todo corpo e nada fora dele”; ora é criticado por não corresponder a seu objetivo ou por implicar limites e condições. Nesse sentido o corpo é condenado e execrado como túmulo ou prisão da alma.
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Para Aristóteles o corpo é “certo instrumento natural” da alma, tal qual o machado é o instrumento de cortar. Mesmo não sendo semelhante ao machado, o corpo, segundo ele, “tem em si mesmo o princípio do movimento e do repouso”. Durante séculos corpo e alma foram concebidos como duas substâncias indissociáveis. É a partir do dualismo cartesiano que vão aparecer como substâncias distintas uma da outra.

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A independência do corpo em relação à alma só se apresentou depois de Descarte, que afirma pertencer somente ao corpo todo calor e todos os movimentos existentes em nós, não dependendo em absoluto do pensamento. O corpo, portanto, é visto nessa perspectiva como uma máquina que se move por si, não estando relacionado a qualquer força externa ou de natureza distinta da sua, pois traz consigo “o princípio corpóreo dos movimentos para os quais foi projetado, juntamente com todos os requisitos para agir” (por Coccinelle a partir do Dicionário de Filosofia de Nicola Abbagnano).

Reflexão


Os corpos se atraem, sejam diferentes ou iguais.

O corpo - Arnaldo Antunes

O corpo existe
e pode ser pego,
É suficientemente opaco
para que se possa vê-lo.
Se ficar olhando o ânus
você pode ver crescer o cabelo
O corpo existe
porque foi feito.
Por isso tem um buraco no meio.
O corpo existe
dado que exala cheiro
e em cada extremidade
existe um dedo.
O corpo se cortado
espirra um líquido vermelho.
O corpo tem alguém como recheio.

“Quando o Corpo dá Forma à Luz”

A exposição dos fotógrafos Ana Olívia Godoy, Desirée Machado e Plutarco H.
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domingo, 9 de novembro de 2008

O Desejo 1

Em filosofia, o desejo é uma tensão em direção a um fim considerado pela pessoa que deseja como uma fonte de satisfação. É uma tendência algumas vezes consciente, outras vezes inconsciente ou reprimida. Quando consciente, o desejo é uma atitude mental que acompanha a representação do fim esperado, o qual é o conteúdo mental relativo a tal atitude. Enquanto elemento apetitivo, o desejo se distingue da necessidade fisiológica ou psicológica que o acompanha por ser o elemento afetivo do respectivo estado fisiológico ou psicológico. Tradicionalmente, o desejo pressupõe carência, indigência. Um ser que não caressesse de nada não desejaria nada, seria um ser perfeito, um deus. Por isso Platão e os filósofos cristãos tomam o desejo como uma característica de seres finitos e imperfeitos. Sejamos, pois, imperfeitos! E demos viva a imperfeição! (por Coccinelle)

O Desejo 2

Ressoa em minhas entranhas, feito o eco na imensidão, uma sonora e silenciosa canção. “Que venha, que venha a hora da paixão”. Mas do que estou a falar? Falo do desejo, essa fome insana que jamais cessa. Apetite voraz, que nos impele à ação. Apetite sensível, que agrada aos sentidos, tato, audição, paladar, olfato, visão. Desejo que atormenta quando o furor não se derrama em deleite. Desejo que alimenta corpo-espírito quando bocas, línguas, mãos, pernas e braços se entrelaçam sem medo, sem razão. Ó agitação de minha alma, a ti meu tesouro foi entregue! Nada mais posso fazer. Só me resta fugir para o inferno, o paraíso do meu ser (por Coccinelle).

Para ver e desejar: MONTRÉAL

Montreal (Québec-Canadá) é uma cidade única! Cidade de muitas facetas, Montréal é cosmopolita, possui uma vida cultural excitante, com grandes atrativos e um calor humano incomum, esta última, a principal razão que nos faz desejar retornar para esse recanto maravilhoso do planeta. Alguns podem dizer que o inverno é muito rigoroso e longo, que a região metropolitana é super populosa, o que torna a vida cotidiana difícil. A despeito de tudo isso, Montréal é uma cidade amável e prazerosa, o lugar ideal para se viver.

Rica em história e aberta para o mundo, em Montréal passado e presente convivem de maneira harmoniosa. Sagrado e profano também. É precisamente na Rua Sainte-Catherine, onde tudo de bom acontece. Ao lado da Igreja de São João fica o Clube 281. Lá, garbosos rapazes se desnudam com muita lascívia para o deleite de uma platéia ávida para contemplar o belo. Difícil é saber quem é o mais garboso entre os garbosos. Depois de se deleitar, se existir algum tipo de culpa, é só entrar na igreja e pedir para São João perdoar suas faltas. Depois é voltar para a vida! Quem foi que disse que é apenas em Salvador da Bahia que o espírito barroco resiste e persiste? (por Coccinelle)

Canção da torre mais alta (Arthur Rimbaud)

Que venha, que venha
A hora da paixão.

Tenho tido paciência,
Nunca esquecerei.
Temores e dores
Para os céus se foram.
E uma sede insana tolda as minhas veias.

Que venha, que venha
A hora da paixão.

Estou como o campo
Entregue ao olvido,
Crescido e florido
De joios, resinas,
Ao bordão selvagem
Das moscas imundas.

Que venha, que venha
A hora da paixão.

Tributo a Arthur Rimbaud (vídeo experimental)

sábado, 8 de novembro de 2008

O Belo

De acordo com o Dicionário de Filosofia de Nicola Abbagnano (São Paulo: Martins Fontes, 2003), podem ser distinguidos cinco conceitos fundamentais de belo. Primeiro, o BELO como manifestação do bem. Para Platão, entre todas as substâncias perfeitas a beleza tem o privilégio de ser a mais evidente e a mais amável. Por isso, conforme diz ele, na beleza e no amor que ela suscita, o homem encontra o ponto de partida para a recordação ou a contemplação das substâncias ideais. Segundo, o BELO como manifestação do verdadeiro. Para Hegel e os românticos, o belo se define como a aparição sensível da Idéia. Isso implica dizer que beleza e verdade são a mesma coisa, que se distinguem apenas pela maneira como se manifestam. Enquanto na verdade a Idéia tem manifestação objetiva e universal, na beleza ela tem manifestação sensível. Terceiro, o BELO como simetria. Para Aristóteles o belo é constituído pela ordem, pela simetria e por uma grandeza capaz de ser abarcada, em seu conjunto, por um só olhar. Quarto, o BELO como perfeição sensível. Acepção que nasce da Estética, que concebe a “perfeição sensível” de um lado como “representação sensível perfeita” e, de outro, “prazer que acompanha a atividade sensível”. Kant unificou essas duas concepções de belo, definindo-o como “o que agrada universalmente e sem conceitos”. Quinto, o BELO como perfeição expressiva, isto é, a arte (por Coccinelle a partir do Dicionário de Filosofia de Nicola Abbagnano).

Torpeza, nada mais!

Diante do ocorrido com a adolescente de quinze anos Eloá, que foi mantida em cativeiro no apartamento onde morava com a família na cidade de Santo André, interior de São Paulo, pelo ex-namorado que insistia em reatar o namoro, apesar da recusa da menina, cabe perguntar: é possível alguém seqüestrar, ameaçar e matar alguém com um tiro na cabeça e depois alegar amor ou paixão?

De acordo com o dicionário a palavra amor significa uma forma de interação psicológica ou psicobiológica entre pessoas, seja por afinidade imanente, seja por formalidade social. Também pode ser entendida como uma atração afetiva ou física que, por conta de certas afinidades, uma pessoa manifesta por outra. Outrossim, o amor é uma forte afeição por outra pessoa, nascida de laços de consangüinidade (parentes) ou de relações sociais (amigos). O amor pode significar ainda uma atração baseada no desejo sexual ou uma afeição e uma ternura sentidas pelos amantes, isto é, aqueles que se amam. Por fim, com a palavra amor designa-se a relação intersexual, quando essa relação é seletiva e eletiva, sendo, por isso, acompanhada por amizade e por afetos positivos, como a solicitude, a ternura, etc.

Já a paixão pode significar um sentimento, gosto ou amor intensos a ponto de ofuscar a razão. Assim, pode ser entendida como um grande entusiasmo por alguma coisa, atividade ou hábito. De qualquer maneira, trata-se de um vício dominador. Mas falar de paixão implica em gerar polêmicas, pois ela suscita diferentes interpretações e sentidos, sobretudo no campo filosófico. Contemporaneamente, a filosofia define paixão como a ação de controle e direção por parte de determinada emoção sobre toda a personalidade de um indivíduo humano. Para Kant, devemos controlar as paixões, pois suas inclinações impedem a razão de compará-las com outras inclinações, impossibilitando-a de fazer uma escolha entre elas. Por conta disso ele rejeita toda e qualquer exaltação das paixões. O Romantismo, embora aceite a acepção kantiana sobre a paixão, isto é, de que ela não é uma emoção ou estado afetivo particular, mas sim o domínio total e profundo que um estado afetivo exerce sobre toda a personalidade ou subjetividade, inverte sua valoração negativa. Do ponto de vista romântico a paixão não é em si nem boa nem má, uma vez que ela se restringe a uma particularidade da determinação do querer, seja qual for seu conteúdo. Para Hegel, a forma da paixão “só exprime que um sujeito pôs num único conteúdo todo o interesse vivo de seu espírito, de seu talento, de seu caráter, de seu prazer”. E acrescenta: “nada de grande foi realizado, nem pode ser realizado, sem a paixão. Não passa de moralidade morta, na maioria das vezes hipócrita, a que investe a forma da paixão como tal”. Já Nietzsche exalta a paixão, considerando-a como o estado em que determinado afeto organiza e orienta toda a difusa emotividade humana em uma disposição plena de saúde e vigor.

Seja como for, amor e paixão expressam afeto, isto é, emoções positivas, seja por pessoas, animais, objetos ou pela natureza em geral. Não há, portanto, nenhuma relação com comportamentos destrutivos, pois quando se ama ou se tem paixão por algo ou alguém, busca-se preservar, mesmo que a distância.
*
Com a Eloá, e tantas outras que partiram em circunstâncias semelhantes, morre também um pouco do belo. Sim, porque o amor e a paixão são elementos do belo, que de maneira alguma rima com torpeza (por Coccinelle).

Gentileza (Marisa Monte)

Apagaram tudo
Pintaram tudo de cinza
A palavra no muro
Ficou coberta de tinta

Apagaram tudo
Pintaram tudo de cinza
Só ficou no muro
Tristeza e tinta fresca

Nós que passamos apressados
Pelas ruas da cidade
Merecemos ler as letras
E as palavras de Gentileza

Por isso eu pergunto
À você no mundo
Se é mais inteligente
O livro ou a sabedoria

O mundo é uma escola
A vida é o circo
Amor palavra que liberta
Já dizia o Profeta