Com a Revolta de 1905, a censura de livros e periódicos foi praticamente abolida. No ano seguinte, surgiram vários poetas, escritores e artistas gays e lésbicas que falavam numa "nova liberdade de expressão". O maior escritor gay da época foi Mikhail Kuzmin, que escreveu o romance Asas. Outra escritora famosa, Lidia Zinovieva Anibal, escreveu Os trinta e três monstros e O zoológico trágico, ambos tratando do amor sáfico. O marido de Zinovieva, Viatcheslav Ivanov, escreveu o livro de poemas Cor Ardens (1911), onde descreve o amor bissexual. E Nilolai Kliuev, descobridor de Iessiênin, publicou As canções de irmão (1912), obra de temática claramente homoerótica.
Esses trabalhos indicam a existência de um ambiente cultural, no início do século, propício à produção artística e intelectual. Essas manifestações (de liberdade!) foram, contudo, logo atacadas pelos críticos conservadores, como, por exemplo, G. P. Novopolin. Em seu livro, O elemento pornográfico na literatura russa, publicado em 1909, Novopolin acusava o autor das Asas, afirmando que de a única finalidade de Kuzmin era a corrupção dos jovens, para não citar outras de suas acusações.
Outro que viria a se tornar o maior inimigo direto dos homossexuais foi Maksim Górki, que os ironizava dizendo que "só queriam liberdade para os pênis". Na mesma direção, o jornalista Alexei Achkasov afirmava que os intelectuais gays e lésbicas corrompiam os menores e serviam aos inimigos do Estado.
É preciso dizer ainda que, embora houvesse esse movimento de liberação sexual, as leis que criminalizavam a homossexualidade ainda estavam em pleno vigor até 1917. Os códigos contra os homossexuais são abolidos depois da Revolução, em 1917, como resultado deste movimento. Segundo Simon Karlinki, de 1917 a 1918, durante o Governo Provisório, foi o período de maior liberdade.
Não obstante, de 1918 a 1924, no governo Lenin, a homossexualidade deixa de ser vista como um crime para ser encarada como um doença ou como decadência burguesa. Médicos, como Mark Sereiski, achavam que podiam "curar" os homossexuais, implantando testículos de heteressexuais. Um amante de Kuzmin, por exemplo – que ingressara no Partido Bolchevique justamente para fugir da perseguição – foi descoberto e internado para tratamento psiquiátrico.
Com o fim da Guerra Civil, foi promulgado em 1922 um novo Código Penal. Revisto em 1926, este código proibia o sexo com menores de 16 anos, a prostituição feminina e a masculina, mas deixava em aberto as relações entre pessoas do mesmo sexo adultas. Contudo, segundo o historiador Valery Chalidze, os homossexuais foram perseguidos e punidos na URSS, principalmente no Cáucaso, no Azerbaijão e no Uzbequistão.
Devido à repressão, surgiram cada vez menos obras de temática homossexual. Uma das últimas escritas por Kliuiev, A quarta Roma, foi sistematicamente criticada, inclusive por Trótski. Em seu livro Literatura e revolução, Trótski começa o que se tornará comum dali em diante: a prática da heterossexualização das personagens. A partir de então tornaram-se bastante comum, por parte do próprio Governo, as práticas dos casamentos forçados ou induzidos, e, quando isso não era possível, o confinamento de escritores e artistas. Só para citar um exemplo, a poetisa Marina Tsvetáievna relata, em suas memórias, que o poeta Pavel Antokólski e ator Iuri Zavádski, que eram amantes, tiveram que se casar com mulheres.
Mesmo assim, ainda em 1930, manifestações homossexuais faziam parte do ideário comunista de construção do "novo mundo". Sendo assim, a organização de comunas da juventude e de trabalhadores proliferou por toda a URSS. A Comuna de Sorókin tornou-se célebre por ser estruturada sobre relações homófilas. Segundo Wilhelm Reich, autor de A Revolução Sexual, foi o "protótipo de uma comuna disciplinada autoriatariamente, antifeminista, constituída sobre ligações homossexuais, e não estruturada de forma especificamente comunista".
A comuna de trabalho liderada por Sorókin — um jovem metalúrgico — era formada por 21 jovens de pouco mais de 18 anos. Todos moravam e comiam em duas tendas improvisadas. A Comuna de Sorókin teve imenso sucesso profissional, produzindo 100% mais que qualquer outra organização congênere. Não obstante, a campanha contra a prática homossexual e as necessidades do chamado "período de transição" soviético fizeram com que a Comuna de Sorókin se baseasse sobre normas morais e não naturais. Assim, embora fossem homossexuais, eles mais trabalhavam do que se realizavam sexualmente. Na verdade, retiravam a sua razão de viver da sublimação dos seus desejos no trabalho cotidiano.
Com a ascensão de Stálin, o combate aos homossexuais passou a ser sistemático. A repressão por parte de intelectuais reacionários tornou-se cada vez mais presente e, em 1933, foi editado o novo Código Penal, cujo Artigo 121 prescrevia cinco anos de trabalhos forçados para atos homossexuais. Mas se, por um lado, várias personalidades homossexuais foram condenadas ao casamento forçado, por outro, a grande maioria acabou mesmo sendo enviada aos campos de concentração na Sibéria, de onde jamais voltariam.
De acordo com os historiadores Lauritsen e Thornstad, efetuaram-se legalmente, prisões em massa de homossexuais nas grandes cidades soviéticas: Moscou, Leningrado, Kharkov e Odessa. Outro pesquisador, Vladimir Kozlóvski, revela que nos anos 30, o número de gays presos nos Gulaks ultrapassava a cifra dos milhares. A Literatúrnaia Gazieta anunciou, em 1988, que oitocentos homens tinham sido sentenciados sob efeito do Parágrafo 121.
Contudo, se o grande ideólogo do Realismo Socialista, Maksim Górki, comemorou em Moscou, em 1933, a aprovação do Artigo 121, dizendo que a legalização da homossexualidade tinha sido a causa do Nazismo, a algumas centenas de quilômetros dali, os nazistas propagandeavam, afirmando que o homossexualidade era a causa do comunismo. Na Rússia (ex-URSS), a legislação anti-homossexual só deixou de vigorar em 1993, com a abertura democrática. De lá para cá, inúmeros grupos e organizações surgiram novamente.
Considerações finais
Ironias à parte, falta-nos ainda um estudo aprofundado acerca dos reais propósitos da propaganda comunista e nazista contra os homossexuais. Custa-nos crer que o horror da perseguição sustentou-se unicamente no quesito ignorância. Que os governantes déspotas são ignorantes, isso sabemos! Devem haver, todavia, razões mais específicas. Várias pesquisas estão sendo feitas em muitas partes do mundo (como se pode ver pela bibliografia consultada por nós), mas estamos longe de chegarmos a uma verdade mais próxima da realidade vivida por aqueles homens. No Brasil, não temos notícia de qualquer estudo sobre o assunto.
Cabe-nos, por último, constatar (mesmo que isso possa parecer ingênuo) que a existência de legislações anti-homossexuais vigentes ainda em nossos dias deve ser fruto do mesmo preconceito que fundamentou as atrocidades cometidas há algumas décadas. Realmente nos perturbam os preconceitos mantidos e apregoados pelas igrejas e outras instituições sociais. Inquieta-nos, sobretudo, que os argumentos da "naturalidade" do ato sexual sejam usados há mais de um século contra os homossexuais, sem que a academia tenha podido mudar a situação. Lembramos, pois, da novela de Mikhail Kuzmin, publicada em 1906, em que um rapaz, Ivan Smurov, vive a descoberta da sexualidade, acabando por apaixonar-se pelo seu professor de inglês. Numa determinada passagem, a tia de Ivan questiona o comportamento do professor, tachando-o de "anti-natural". Por sua vez, seu tio, Konstatin Vassílievitch, faz a seguinte declaração, quase que tomando as dores do professor:
As pessoas nos condenam dizendo que somos 'contra a natureza'. Não obstante, se empregássemos nossos corpos apenas para coisas consideradas 'naturais', ainda estaríamos usando as mãos para dilacerar e comer carne crua ou para nos atracarmos com os nossos inimigos; ainda estaríamos usando nossos pés para perseguir lebres ou correr atrás de lobos. Isso me faz lembrar de uma história das Mil e Uma Noites, que relata como uma menina, desejando saber para que serviam as coisas, perguntava continuamente para sua mãezinha sobre o propósito disto e daquilo. Quando, porém, perguntou acerca de uma parte conhecida da anatomia, sua mãe deu-lhe uma sova e sentenciou: 'Agora tu sabes para quê esta parte foi criada'."
Esses trabalhos indicam a existência de um ambiente cultural, no início do século, propício à produção artística e intelectual. Essas manifestações (de liberdade!) foram, contudo, logo atacadas pelos críticos conservadores, como, por exemplo, G. P. Novopolin. Em seu livro, O elemento pornográfico na literatura russa, publicado em 1909, Novopolin acusava o autor das Asas, afirmando que de a única finalidade de Kuzmin era a corrupção dos jovens, para não citar outras de suas acusações.
Outro que viria a se tornar o maior inimigo direto dos homossexuais foi Maksim Górki, que os ironizava dizendo que "só queriam liberdade para os pênis". Na mesma direção, o jornalista Alexei Achkasov afirmava que os intelectuais gays e lésbicas corrompiam os menores e serviam aos inimigos do Estado.
É preciso dizer ainda que, embora houvesse esse movimento de liberação sexual, as leis que criminalizavam a homossexualidade ainda estavam em pleno vigor até 1917. Os códigos contra os homossexuais são abolidos depois da Revolução, em 1917, como resultado deste movimento. Segundo Simon Karlinki, de 1917 a 1918, durante o Governo Provisório, foi o período de maior liberdade.
Não obstante, de 1918 a 1924, no governo Lenin, a homossexualidade deixa de ser vista como um crime para ser encarada como um doença ou como decadência burguesa. Médicos, como Mark Sereiski, achavam que podiam "curar" os homossexuais, implantando testículos de heteressexuais. Um amante de Kuzmin, por exemplo – que ingressara no Partido Bolchevique justamente para fugir da perseguição – foi descoberto e internado para tratamento psiquiátrico.
Com o fim da Guerra Civil, foi promulgado em 1922 um novo Código Penal. Revisto em 1926, este código proibia o sexo com menores de 16 anos, a prostituição feminina e a masculina, mas deixava em aberto as relações entre pessoas do mesmo sexo adultas. Contudo, segundo o historiador Valery Chalidze, os homossexuais foram perseguidos e punidos na URSS, principalmente no Cáucaso, no Azerbaijão e no Uzbequistão.
Devido à repressão, surgiram cada vez menos obras de temática homossexual. Uma das últimas escritas por Kliuiev, A quarta Roma, foi sistematicamente criticada, inclusive por Trótski. Em seu livro Literatura e revolução, Trótski começa o que se tornará comum dali em diante: a prática da heterossexualização das personagens. A partir de então tornaram-se bastante comum, por parte do próprio Governo, as práticas dos casamentos forçados ou induzidos, e, quando isso não era possível, o confinamento de escritores e artistas. Só para citar um exemplo, a poetisa Marina Tsvetáievna relata, em suas memórias, que o poeta Pavel Antokólski e ator Iuri Zavádski, que eram amantes, tiveram que se casar com mulheres.
Mesmo assim, ainda em 1930, manifestações homossexuais faziam parte do ideário comunista de construção do "novo mundo". Sendo assim, a organização de comunas da juventude e de trabalhadores proliferou por toda a URSS. A Comuna de Sorókin tornou-se célebre por ser estruturada sobre relações homófilas. Segundo Wilhelm Reich, autor de A Revolução Sexual, foi o "protótipo de uma comuna disciplinada autoriatariamente, antifeminista, constituída sobre ligações homossexuais, e não estruturada de forma especificamente comunista".
A comuna de trabalho liderada por Sorókin — um jovem metalúrgico — era formada por 21 jovens de pouco mais de 18 anos. Todos moravam e comiam em duas tendas improvisadas. A Comuna de Sorókin teve imenso sucesso profissional, produzindo 100% mais que qualquer outra organização congênere. Não obstante, a campanha contra a prática homossexual e as necessidades do chamado "período de transição" soviético fizeram com que a Comuna de Sorókin se baseasse sobre normas morais e não naturais. Assim, embora fossem homossexuais, eles mais trabalhavam do que se realizavam sexualmente. Na verdade, retiravam a sua razão de viver da sublimação dos seus desejos no trabalho cotidiano.
Com a ascensão de Stálin, o combate aos homossexuais passou a ser sistemático. A repressão por parte de intelectuais reacionários tornou-se cada vez mais presente e, em 1933, foi editado o novo Código Penal, cujo Artigo 121 prescrevia cinco anos de trabalhos forçados para atos homossexuais. Mas se, por um lado, várias personalidades homossexuais foram condenadas ao casamento forçado, por outro, a grande maioria acabou mesmo sendo enviada aos campos de concentração na Sibéria, de onde jamais voltariam.
De acordo com os historiadores Lauritsen e Thornstad, efetuaram-se legalmente, prisões em massa de homossexuais nas grandes cidades soviéticas: Moscou, Leningrado, Kharkov e Odessa. Outro pesquisador, Vladimir Kozlóvski, revela que nos anos 30, o número de gays presos nos Gulaks ultrapassava a cifra dos milhares. A Literatúrnaia Gazieta anunciou, em 1988, que oitocentos homens tinham sido sentenciados sob efeito do Parágrafo 121.
Contudo, se o grande ideólogo do Realismo Socialista, Maksim Górki, comemorou em Moscou, em 1933, a aprovação do Artigo 121, dizendo que a legalização da homossexualidade tinha sido a causa do Nazismo, a algumas centenas de quilômetros dali, os nazistas propagandeavam, afirmando que o homossexualidade era a causa do comunismo. Na Rússia (ex-URSS), a legislação anti-homossexual só deixou de vigorar em 1993, com a abertura democrática. De lá para cá, inúmeros grupos e organizações surgiram novamente.
Considerações finais
Ironias à parte, falta-nos ainda um estudo aprofundado acerca dos reais propósitos da propaganda comunista e nazista contra os homossexuais. Custa-nos crer que o horror da perseguição sustentou-se unicamente no quesito ignorância. Que os governantes déspotas são ignorantes, isso sabemos! Devem haver, todavia, razões mais específicas. Várias pesquisas estão sendo feitas em muitas partes do mundo (como se pode ver pela bibliografia consultada por nós), mas estamos longe de chegarmos a uma verdade mais próxima da realidade vivida por aqueles homens. No Brasil, não temos notícia de qualquer estudo sobre o assunto.
Cabe-nos, por último, constatar (mesmo que isso possa parecer ingênuo) que a existência de legislações anti-homossexuais vigentes ainda em nossos dias deve ser fruto do mesmo preconceito que fundamentou as atrocidades cometidas há algumas décadas. Realmente nos perturbam os preconceitos mantidos e apregoados pelas igrejas e outras instituições sociais. Inquieta-nos, sobretudo, que os argumentos da "naturalidade" do ato sexual sejam usados há mais de um século contra os homossexuais, sem que a academia tenha podido mudar a situação. Lembramos, pois, da novela de Mikhail Kuzmin, publicada em 1906, em que um rapaz, Ivan Smurov, vive a descoberta da sexualidade, acabando por apaixonar-se pelo seu professor de inglês. Numa determinada passagem, a tia de Ivan questiona o comportamento do professor, tachando-o de "anti-natural". Por sua vez, seu tio, Konstatin Vassílievitch, faz a seguinte declaração, quase que tomando as dores do professor:
As pessoas nos condenam dizendo que somos 'contra a natureza'. Não obstante, se empregássemos nossos corpos apenas para coisas consideradas 'naturais', ainda estaríamos usando as mãos para dilacerar e comer carne crua ou para nos atracarmos com os nossos inimigos; ainda estaríamos usando nossos pés para perseguir lebres ou correr atrás de lobos. Isso me faz lembrar de uma história das Mil e Uma Noites, que relata como uma menina, desejando saber para que serviam as coisas, perguntava continuamente para sua mãezinha sobre o propósito disto e daquilo. Quando, porém, perguntou acerca de uma parte conhecida da anatomia, sua mãe deu-lhe uma sova e sentenciou: 'Agora tu sabes para quê esta parte foi criada'."
É realmente impressionante a atualidade dos fatos narrados no livro e a propriedade com que o autor desvenda os tabus do início do século na Rússia. Com certeza, um estudo sobre esta novela pode ajudar-nos a compreender os preconceitos de hoje em dia (por Elias Ribeiro de Castro – pesquisador do Centro Acadêmico de Estudos Homoeróticos da USP).
Um comentário:
Interessante seu post.
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