domingo, 26 de setembro de 2010

Quem é como vive e o que pensa Giuliano Manfredini, o único herdeiro do líder da banda Legião Urbana

Em entrevista concedida a Valmir Motarelli, para o portal IG, o filho do inesquecível Renato Russo, Giuliano Manfredini, revela um pouco das suas idéias sobre a vida, o mundo, a política e as pessoas. É muito interessante perceber como um jovem de apenas 21 anos pode ser tão maduro. Mais interessante, ainda, é perceber como os jovens de hoje são mais assumidos que os jovens de outrora. A juventude contemporânea, ao menos aquelas dos grandes centros urbanos, fala com mais naturalidade, leveza e desenvoltura sobre temas polêmicos que envolvem o uso de drogas, comportamento sexual, aborto, entre tantos outros. Claro que esse posicionamento mais franco e relaxado frente a tais temas é fruto de lutas e conquistas de gerações anteriores, afinal, a história é um ato contínuo. Mesmo assim, não deixa de ser interessante observar que está a ocorrer em nosso tempo uma pequena revolução silenciosa. Para onde ela vai nos levar, não sei. O que sei é que dias melhores estão por vir. Talvez eu, Coccinelle, não os veja, mas que eles virão, não tenho a menor dúvida! A seguir a entrevista do Giuliano Manfredini. Quis reproduzi-la aqui para prestar uma pequena homenagem tanto aos jovens de hoje quanto ao magnífico Renato Russo que sempre admirei.

iG: Você começa a tomar conta do espólio do seu pai. Consegue explicar de onde vem o interesse permanente dos jovens pela banda?
GIULIANO: Em primeiro lugar, a sinceridade do meu pai de correr atrás do que sempre sonhou. Não adiantava nada ele ser um gênio se não corresse atrás do que acreditava. Legião toca nas pessoas. Se você ganha um chute na bunda de uma garota, a música do meu pai vai te dar uma mensagem. “Índios”, “Daniel na Cova dos Leões”, “Tempo Perdido”... Todo mundo já teve um momento que se identificou com uma letra. Mas ele não era um deus, era um homem comum.

iG: Você mantém contato com os outros integrantes do Legião?
GIULIANO: Não tenho contato direto com eles. Não falo sobre isso, porque já houve brigas. Eu detenho o direito sobre o nome Legião Urbana, sou o verdadeiro herdeiro da banda. Existe uma questão delicada, mais que isso prefiro não falar.

iG: Quem não gosta do Legião costuma afirmar que Renato fazia músicas depressivas. Concorda com esta crítica?
GIULIANO
: Schopenhauer (Arthur Schopenhauer, filósofo alemão) falava que se você for analisar o mundo, isso aqui é um lugar ruim. O que meu pai queria dizer é que, por termos poucos momentos bons na vida, visto que felicidade é momentânea, somos todos tristes. Estes raros momentos são a força para seguir em frente.

iG: Você é ateu?
GIULIANO: Não. Meu pai era católico, mas fazia seu próprio catolicismo. Sou um pouco assim. Criei minha religião. Meu pai é a pessoa mais presente na minha vida. Sou sensitivo. Ele faz parte da minha consciência.

iG: O que você herdou da personalidade dele?
GIULIANO: A força de vontade. Não entenda como preconceito, mas eu poderia ser funcionário público, como tantos querem na vida. Trabalhar pouco, ganhar muito, ter uma vida pacata... Tem muita gente que não tem sonho. Brasília é muito assim, de gente morgada, apática. Não preciso trabalhar para sobreviver. Trabalho porque quero, porque gosto.

iG: O que você faz? Como é o seu trabalho?
GIULIANO: Minha produtora, a Mundano, trabalha novos artistas. Em março faremos um festival de música em Brasília. Estamos produzindo uma peça, que ainda não posso falar, além da trilha sonora dos dois filmes sobre o Legião (“Faroeste Caboclo” e “Somos Tão jovens”). Eu é quem escolho as músicas que vão entrar na trilha. O pitaco é meu.

iG: Seu pai fez algumas letras bastante políticas. Você se interessa pelo assunto?
GIULIANO: Não sou aquele que sabe o nome de todos os políticos, mas tenho opinião formada. Sou neutro em relação à política. Desculpe falar assim, mas a eleição desse ano virou uma grande palhaçada.

iG: Por quê?
GIULIANO: Pelos candidatos... O brasileiro está descrente com o País. Não acredito em lados, em direita ou esquerda, mas em interesses. Por isso não voto. Será a segunda eleição que posso votar, mas prefiro justificar. Ninguém vota mais por ideologia.

iG: Praticamente todo adolescente gosta de ouvir Legião Urbana. Isso te facilitou fazer muitos amigos?
GIULIANO: Não, conto nos dedos os meus amigos. Sofria muito preconceito na fase escolar, porque era filho dele. Tenho orgulho do meu pai, e isso era confundido com exibição. Adorava falar empolgado dos novos trabalhos do Legião. Os garotos tinham prazer em me excluir. Eram agressões verbais diárias.

iG: Como eram estas agressões?
GIULIANO: A partir do momento que entrei no colégio e ouvi dos colegas que meu pai era “bicha”, para você ver como eles eram escrotos, passei a entender o que isso significa. Admitir que era homossexual naquela época é mais um motivo para vê-lo como herói. Tem que ser muito macho para falar “eu sou gay”.

iG: Você entendeu desde o começo o que significava o fato do seu pai ser gay?
GIULIANO: Não existe ninguém homossexual de fato. Todo ser humano é bissexual. Se não tivesse nenhuma convenção social seríamos todos bissexuais assumidos. Meu pai não via diferença em amar as pessoas.

iG: Você já teve alguma relação homossexual?
GIULIANO: Eu já tive experiências com homens. Mas hoje sou heterossexual. Estou apaixonado por uma garota do Rio. Não tenho vergonha de falar essas coisas. Ninguém pode falar que é heterossexual se nunca experimentou o outro lado para saber que não gosta daquilo. É como o cara que fala que não gosta de maconha, sem nunca ter usado. Pode falar que é contra, mas não pode falar que não gosta.

iG: E sofreu preconceito por isso?
GIULIANO: Nunca namorei homens a sério, era mais pegação, zoação mesmo, em boates. Preconceito, claro que rola. Mas é coisa minha, ninguém tem que se envolver com isso. E se você não quiser mais ser meu amigo só porque eu beijei um homem, você é um medíocre. Experimentei sim, foi uma experiência boa. Mas não levo esses detalhes adiante. Se um filho meu falar que é gay, vou falar “que bom”.

iG: Você deu uma declaração certa vez chamando seu pai de “idiota” por ter usado drogas. Você nunca experimentou?
GIULIANO
: Falei uma vez isso numa entrevista, me arrependo muito dessa declaração. Usa quem quer, não acho errado usar. É cultural dos jovens transgredir as regras. Coloca aí que vou uma vez por ano a Amsterdã.

iG: Como você trata esses assuntos em casa?
GIULIANO
: Minha mãe pergunta, falo com ela, na boa. Falo que já experimentei. Não tem problema, temos diálogo em casa.

iG: Quais são as lembranças do contato que teve com Renato?
GIULIANO
: Convivi com ele até os 7 anos. Fernando Pessoa dizia que a importância das coisas não está na duração, mas na intensidade. Meu pai era uma pessoa muito intensa, assim como eu. Passava os dias com ele, em seu apartamento. Chegamos a fazer uma viagem a Nova York, quando fiz 5 anos. Ele me encheu de brinquedos.

iG: Você não chegou a conhecer sua mãe (que morreu num acidente de carro) e foi criado pela avó paterna. Como é esta relação familiar?
GIULIANO
: Desde que minha mãe morreu, quando eu era recém-nascido, a guarda ficou com minha avó. Cresci chamando-a de mãe. Todo jovem tem seus momentos de curtição, farra. Mas também sou família. Tenho o maior orgulho de tê-la ao meu lado.

iG: Que futuro projeta para a lembrança do que representou o Legião?
GIULIANO
: Legião tem força para muito mais. Quero estar aqui daqui a dez anos escutando e vibrando com cada uma das músicas do meu pai. Vou tomar conta de tudo. O mais importante não é lucrar com tudo isso, mas manter a ideologia de suas canções viva na memória das pessoas, de quem não conheceu e de quem ainda vai ouvi-las. Ainda temos muita coisa inédita para um dia, quem sabe.

domingo, 19 de setembro de 2010

Um mil sons ao som do Chico César e do Herbert Vianna

Hoje amanheci assim, com um não sei quê vindo não sei de onde, que se instalou não sei por quê. Um velho sábio das montanhas escaldantes dos sertões me disse certo dia que o nome disso é saudade. Saudade do amor que nunca tive; saudade do meu amor que nem mesmo meu coração sabe quem é. “Como esta noite findará e o sol, então, rebrilhará, estou pensando em você...Onde estará o meu amor? Será que vela como eu? Será que chama como eu? Será que pergunta por mim? Onde estará o meu amor? Se a voz da noite responder onde estou eu, onde está você? Estamos cá dentro de nós, sós...Onde estará o meu amor? Se a voz da noite silenciar, raio de sol vai me levar, raio de sol vai lhe trazer...Onde estará o meu amor”? Tua voz é para mim tão bela quanto o mais belo prelúdio de Chopin. Teu olhar irradia toda luz que faz dos meus dias os mais radiosos. Teu nome faz lembrar o nome do meu desejo contido em um mil sons. Por isso “eu queria ver no escuro do mundo, onde está tudo que você quer pra me transformar no que te agrada, no que me faça ver quais são as cores e as coisas pra te prender. Eu tive um sonho ruim e acordei chorando, por isso eu te liguei. Será que você ainda pensa em mim? Será que você ainda pensa? Às vezes te odeio por quase um segundo, depois te amo mais. Teus pêlos, teu gosto, teu rosto, tudo que não me deixa em paz. Quais são as cores e as coisas pra te prender? Eu tive um sonho ruim e acordei chorando, por isso eu te liguei”. Será que você está pensando em mim? Em que será que você está pensando agora? Foi por pensar tanto em ti que hoje amanheci assim. Por esta razão, resolvi escrever estas mal traçadas linhas (pour Coccinelle).

domingo, 12 de setembro de 2010

Para refletir: O Contrário do Amor

Uma amiga enviou para mim, Coccinelle, o texto abaixo por e-mail. Achei interessante e resolvi postá-lo nesse cantinho. Trata-se de uma reflexão sobre os sentimentos humanos, estes seres incompletos e imperfeitos e frágeis, feito crianças recém-nascidas, que passam a vida inteira à procura de afeto, atenção e guarida. No final das contas é só isso que verdadeiramente importa. Todo o resto não passa de puro supérfluo. Reflitamos.

O contrário de bonito é feio, de rico é pobre, de preto é branco, isso se aprende antes de entrar na escola. Se você fizer uma enquete entre as crianças, ouvirá também que o contrário do amor é o ódio. Elas estão erradas. Faça uma enquete entre adultos e descubra a resposta certa: o contrário do amor não é o ódio, é a indiferença.

O que seria preferível, que a pessoa que você ama passasse a lhe odiar, ou que lhe fosse totalmente indiferente? Que perdesse o sono imaginando maneiras de fazer você se dar mal ou que dormisse feito um anjo a noite inteira, esquecido por completo da sua existência? O ódio é também uma maneira de se estar com alguém. Já a indiferença não aceita declarações ou reclamações: seu nome não consta mais do cadastro.

Para odiar alguém, precisamos reconhecer que esse alguém existe e que nos provoca sensações, por piores que sejam. Para odiar alguém, precisamos de um coração, ainda que frio, e raciocínio, ainda que doente. Para odiar alguém gastamos energia, neurônios e tempo. Odiar nos dá fios brancos no cabelo, rugas pela face e angústia no peito. Para odiar, necessitamos do objeto do ódio, necessitamos dele nem que seja para dedicar-lhe nosso rancor, nossa ira, nossa pouca sabedoria para entendê-lo e pouco humor para aturá-lo. O ódio se tivesse uma cor, seria vermelho, tal qual a cor do amor.

Já para sermos indiferentes a alguém, precisamos do quê? De coisa alguma. A pessoa em questão pode saltar de bung-jump, assistir aula de fraque, ganhar um Oscar ou uma prisão perpétua, estamos nem aí. Não julgamos seus atos, não observamos seus modos, não testemunhamos sua existência. Ela não nos exige olhos, boca, coração, cérebro: nosso corpo ignora sua presença, e muito menos se dá conta de sua ausência. Não temos o número do telefone das pessoas para quem não ligamos. A indiferença se tivesse uma cor, seria cor da água, cor do ar, cor de nada.

Uma criança nunca experimentou essa sensação: ou ela é muito amada, ou criticada pelo que apronta. Uma criança está sempre em uma das pontas da gangorra, adoração ou queixas, mas nunca é ignorada. Só bem mais tarde, quando necessitar de uma atenção que não seja materna ou paterna, é que descobrirá que o amor e o ódio habitam o mesmo universo, enquanto que a indiferença é um exílio no deserto (por Martha Medeiros).

domingo, 5 de setembro de 2010

Poema Falado: Ideias Íntimas (Lira dos vinte anos)

De acordo com a filosofia, o desejo pode ser entendido como uma tensão em direção a um fim considerado uma fonte de satisfação pela pessoa que deseja. Trata-se, pois, de uma tendência algumas vezes consciente, outras vezes inconsciente ou reprimida. Quando consciente, o desejo se configura como uma atitude mental que acompanha a representação do fim esperado. Este, por sua vez, nada mais é do que o conteúdo mental relativo ao ato de desejar. O desejo não pode ser confundido com a necessidade fisiológica ou psicológica que o acompanha por ser o elemento afetivo destes. Na tradição filosófica, o desejo pressupõe carência, indigência. Um ser que não caressesse de nada não desejaria nada. Este ser seria um perfeito, um deus, portanto. Por isso Platão e os filósofos cristãos conceberam o desejo como uma característica de seres finitos e imperfeitos. O Poema Falado deste mês discorre sobre o desejo de amor e gozo por meio dos magníficos versos do Álvares de Azevedo: “Oh! ter vinte anos sem gozar de leve / A ventura de uma alma de donzela! / E sem na vida ter sentido nunca / Na suave atração de um róseo corpo / Meus olhos turvos se fechar de gozo! / Oh! nos meus sonhos, pelas noites minhas / Passam tantas visões sobre meu peito! / Palor de febre meu semblante cobre, / Bate meu coração com tanto fogo”! Boa leitura.
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