domingo, 24 de janeiro de 2010

Presidente Lula envia mensagens a militantes LGBT

Prestigiando conferência de ativistas LGBT da América Latina e Caribe que se reunirão em Curitiba (PR) na próxima semana, o Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, envia mensagem de saudação na qual reafirma seu apoio à defesa dos direitos LGBT e combate à homofobia.

Acontece na próxima semana em Curitiba (PR) a V Conferência da ILGA (Associação Internacional de Lésbicas, Gay, Bissexuais, Transexuais e Intersexuais) na região da América Latina e do Caribe (ILGA-LAC), evento que reunirá cerca de 400 militantes de 35 países que trabalham na defesa dos direitos da população LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais). Reafirmando seu apoio à causa, o Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva enviou ao Sr. Toni Reis, presidente da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, coordenador-geral da comissão organizadora do evento, uma mensagem de saudação a todos os conferencistas.

Na mensagem, o presidente Lula afirma que a luta contra a intolerância e a discriminação, com os consequentes esforços pelo respeito à pessoa humana, aí incluída a consideração pela orientação sexual, tem norteado sua gestão desde o início do primeiro mandato. Além disso, a mensagem tece considerações sobre as ações governamentais de combate à homofobia e o Plano Nacional de Direitos Humanos 3, que, entre outras coisas, defende a união civil entre pessoas do mesmo sexo.

A mensagem na íntegra somente será divulgada na abertura da conferência, no dia 27 de janeiro, em Curitiba às 19:00. Na ocasião, a mensagem do Presidente Lula será lida pelo deputado federal Dr. Rosinha (PT-PR), integrante da Frente Parlamentar pela Cidadania LGBT.

Sobre a V Conferência ILGA-LAC

Cerca de 400 ativistas em defesa dos direitos LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais) de 35 países se encontrarão na próxima semana para discutir diferentes aspectos da defesa da cidadania e combate ao preconceito e à homofobia. Com uma programação variada e abrangente, a V Conferência Regional da ILGA-LAC será em Curitiba (PR), de 26 a 31 de janeiro.

A ILGA (Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Intersexuais) é uma federação mundial que congrega grupos locais e nacionais dedicados à promoção e defesa da igualdade de direitos para lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e pessoas trans e intersex (LGBTI) em todo o mundo. Fundada em 1978, a ILGA reúne entre seus membros mais de 670 organizações, entre pequenas coletividades e grupos nacionais, representando, assim, mais de 110 países, oriundos de todos os continentes. No encontro de Curitiba, estará representada a seção da América Latina e Caribe da ILGA.

Pré-Conferências

Antecedendo a Conferência, foram planejados encontros preparatórios no dias 26 e 27. O objetivo é tratar de forma específica temas diretamente relacionados à defesa dos direitos LGBT. São eles:

I Fórum de Gays, HSH e Trans da América Latina e do Caribe sobre HIV/Aids - ASICAL
1º Encontro sobre Homo-Lesbo-Transfobia na escola - GALE
1ª Conferência Regional da InterPride
1º Seminário de Mulheres Lésbicas e Bissexuais
Encontro de Pessoas Trans
Encontro de Jovens LGBTI
Seminário Homo-Lesbo-Transfobia e Racismo
Oficina sobre o Executivo e Políticas Públicas para LGBTI
Seminário LGBTI e o Legislativo e o Estado Laico
Encontro Mídia e LGBTI

A Conferência conta com o apoio do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (UNAIDS), o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, a Organização Pan-Americana da Saúde, o Fundo Global para Mulheres, a Secretaria Especial dos Direitos Humanos, a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres e a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República, o Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde, o Governo do Estado do Paraná, o Governo do Município de Curitiba e a Itaipu Binacional.

Local da CONFERÊNCIA: Victória Villa Hotel – Avenida Sete de Setembro, n° 2448 – Centro, Curitiba, Paraná. Fone (41) 3324-7878‎
ABERTURA OFICIAL - 27/01, 18.30 horas: Piso Portinari da Estação Embratel Convention Center– Acesso pelo Shopping Estação – Avenida Sete de Setembro, 2775 – Centro, Curitiba, Paraná.



Toni Reis - 41 9602 8906
Rafaelly Wiest - 41 9651 4204
Márcio Marins - 41 9109 1950
Carla Amaral - 41 9638 1057
Igo Martini - 41 9602 5984

domingo, 17 de janeiro de 2010

HISTÓRIA: A perseguição aos homossexuais na URSS

Com a Revolta de 1905, a censura de livros e periódicos foi praticamente abolida. No ano seguinte, surgiram vários poetas, escritores e artistas gays e lésbicas que falavam numa "nova liberdade de expressão". O maior escritor gay da época foi Mikhail Kuzmin, que escreveu o romance Asas. Outra escritora famosa, Lidia Zinovieva Anibal, escreveu Os trinta e três monstros e O zoológico trágico, ambos tratando do amor sáfico. O marido de Zinovieva, Viatcheslav Ivanov, escreveu o livro de poemas Cor Ardens (1911), onde descreve o amor bissexual. E Nilolai Kliuev, descobridor de Iessiênin, publicou As canções de irmão (1912), obra de temática claramente homoerótica.

Esses trabalhos indicam a existência de um ambiente cultural, no início do século, propício à produção artística e intelectual. Essas manifestações (de liberdade!) foram, contudo, logo atacadas pelos críticos conservadores, como, por exemplo, G. P. Novopolin. Em seu livro, O elemento pornográfico na literatura russa, publicado em 1909, Novopolin acusava o autor das Asas, afirmando que de a única finalidade de Kuzmin era a corrupção dos jovens, para não citar outras de suas acusações.

Outro que viria a se tornar o maior inimigo direto dos homossexuais foi Maksim Górki, que os ironizava dizendo que "só queriam liberdade para os pênis". Na mesma direção, o jornalista Alexei Achkasov afirmava que os intelectuais gays e lésbicas corrompiam os menores e serviam aos inimigos do Estado.

É preciso dizer ainda que, embora houvesse esse movimento de liberação sexual, as leis que criminalizavam a homossexualidade ainda estavam em pleno vigor até 1917. Os códigos contra os homossexuais são abolidos depois da Revolução, em 1917, como resultado deste movimento. Segundo Simon Karlinki, de 1917 a 1918, durante o Governo Provisório, foi o período de maior liberdade.

Não obstante, de 1918 a 1924, no governo Lenin, a homossexualidade deixa de ser vista como um crime para ser encarada como um doença ou como decadência burguesa. Médicos, como Mark Sereiski, achavam que podiam "curar" os homossexuais, implantando testículos de heteressexuais. Um amante de Kuzmin, por exemplo – que ingressara no Partido Bolchevique justamente para fugir da perseguição – foi descoberto e internado para tratamento psiquiátrico.

Com o fim da Guerra Civil, foi promulgado em 1922 um novo Código Penal. Revisto em 1926, este código proibia o sexo com menores de 16 anos, a prostituição feminina e a masculina, mas deixava em aberto as relações entre pessoas do mesmo sexo adultas. Contudo, segundo o historiador Valery Chalidze, os homossexuais foram perseguidos e punidos na URSS, principalmente no Cáucaso, no Azerbaijão e no Uzbequistão.

Devido à repressão, surgiram cada vez menos obras de temática homossexual. Uma das últimas escritas por Kliuiev, A quarta Roma, foi sistematicamente criticada, inclusive por Trótski. Em seu livro Literatura e revolução, Trótski começa o que se tornará comum dali em diante: a prática da heterossexualização das personagens. A partir de então tornaram-se bastante comum, por parte do próprio Governo, as práticas dos casamentos forçados ou induzidos, e, quando isso não era possível, o confinamento de escritores e artistas. Só para citar um exemplo, a poetisa Marina Tsvetáievna relata, em suas memórias, que o poeta Pavel Antokólski e ator Iuri Zavádski, que eram amantes, tiveram que se casar com mulheres.

Mesmo assim, ainda em 1930, manifestações homossexuais faziam parte do ideário comunista de construção do "novo mundo". Sendo assim, a organização de comunas da juventude e de trabalhadores proliferou por toda a URSS. A Comuna de Sorókin tornou-se célebre por ser estruturada sobre relações homófilas. Segundo Wilhelm Reich, autor de A Revolução Sexual, foi o "protótipo de uma comuna disciplinada autoriatariamente, antifeminista, constituída sobre ligações homossexuais, e não estruturada de forma especificamente comunista".

A comuna de trabalho liderada por Sorókin — um jovem metalúrgico — era formada por 21 jovens de pouco mais de 18 anos. Todos moravam e comiam em duas tendas improvisadas. A Comuna de Sorókin teve imenso sucesso profissional, produzindo 100% mais que qualquer outra organização congênere. Não obstante, a campanha contra a prática homossexual e as necessidades do chamado "período de transição" soviético fizeram com que a Comuna de Sorókin se baseasse sobre normas morais e não naturais. Assim, embora fossem homossexuais, eles mais trabalhavam do que se realizavam sexualmente. Na verdade, retiravam a sua razão de viver da sublimação dos seus desejos no trabalho cotidiano.

Com a ascensão de Stálin, o combate aos homossexuais passou a ser sistemático. A repressão por parte de intelectuais reacionários tornou-se cada vez mais presente e, em 1933, foi editado o novo Código Penal, cujo Artigo 121 prescrevia cinco anos de trabalhos forçados para atos homossexuais. Mas se, por um lado, várias personalidades homossexuais foram condenadas ao casamento forçado, por outro, a grande maioria acabou mesmo sendo enviada aos campos de concentração na Sibéria, de onde jamais voltariam.

De acordo com os historiadores Lauritsen e Thornstad, efetuaram-se legalmente, prisões em massa de homossexuais nas grandes cidades soviéticas: Moscou, Leningrado, Kharkov e Odessa. Outro pesquisador, Vladimir Kozlóvski, revela que nos anos 30, o número de gays presos nos Gulaks ultrapassava a cifra dos milhares. A Literatúrnaia Gazieta anunciou, em 1988, que oitocentos homens tinham sido sentenciados sob efeito do Parágrafo 121.

Contudo, se o grande ideólogo do Realismo Socialista, Maksim Górki, comemorou em Moscou, em 1933, a aprovação do Artigo 121, dizendo que a legalização da homossexualidade tinha sido a causa do Nazismo, a algumas centenas de quilômetros dali, os nazistas propagandeavam, afirmando que o homossexualidade era a causa do comunismo. Na Rússia (ex-URSS), a legislação anti-homossexual só deixou de vigorar em 1993, com a abertura democrática. De lá para cá, inúmeros grupos e organizações surgiram novamente.

Considerações finais

Ironias à parte, falta-nos ainda um estudo aprofundado acerca dos reais propósitos da propaganda comunista e nazista contra os homossexuais. Custa-nos crer que o horror da perseguição sustentou-se unicamente no quesito ignorância. Que os governantes déspotas são ignorantes, isso sabemos! Devem haver, todavia, razões mais específicas. Várias pesquisas estão sendo feitas em muitas partes do mundo (como se pode ver pela bibliografia consultada por nós), mas estamos longe de chegarmos a uma verdade mais próxima da realidade vivida por aqueles homens. No Brasil, não temos notícia de qualquer estudo sobre o assunto.

Cabe-nos, por último, constatar (mesmo que isso possa parecer ingênuo) que a existência de legislações anti-homossexuais vigentes ainda em nossos dias deve ser fruto do mesmo preconceito que fundamentou as atrocidades cometidas há algumas décadas. Realmente nos perturbam os preconceitos mantidos e apregoados pelas igrejas e outras instituições sociais. Inquieta-nos, sobretudo, que os argumentos da "naturalidade" do ato sexual sejam usados há mais de um século contra os homossexuais, sem que a academia tenha podido mudar a situação. Lembramos, pois, da novela de Mikhail Kuzmin, publicada em 1906, em que um rapaz, Ivan Smurov, vive a descoberta da sexualidade, acabando por apaixonar-se pelo seu professor de inglês. Numa determinada passagem, a tia de Ivan questiona o comportamento do professor, tachando-o de "anti-natural". Por sua vez, seu tio, Konstatin Vassílievitch, faz a seguinte declaração, quase que tomando as dores do professor:

As pessoas nos condenam dizendo que somos 'contra a natureza'. Não obstante, se empregássemos nossos corpos apenas para coisas consideradas 'naturais', ainda estaríamos usando as mãos para dilacerar e comer carne crua ou para nos atracarmos com os nossos inimigos; ainda estaríamos usando nossos pés para perseguir lebres ou correr atrás de lobos. Isso me faz lembrar de uma história das Mil e Uma Noites, que relata como uma menina, desejando saber para que serviam as coisas, perguntava continuamente para sua mãezinha sobre o propósito disto e daquilo. Quando, porém, perguntou acerca de uma parte conhecida da anatomia, sua mãe deu-lhe uma sova e sentenciou: 'Agora tu sabes para quê esta parte foi criada'."

É realmente impressionante a atualidade dos fatos narrados no livro e a propriedade com que o autor desvenda os tabus do início do século na Rússia. Com certeza, um estudo sobre esta novela pode ajudar-nos a compreender os preconceitos de hoje em dia (por Elias Ribeiro de Castro – pesquisador do Centro Acadêmico de Estudos Homoeróticos da USP).

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

HISTÓRIA: O holocausto dos homossexuais

Embora costumemos associar o holocausto ao sofrimento dos judeus, é preciso lembrar que também os gays alemães sofreram nas mãos dos nazistas. Com a unificação da Alemanha, em 1871, o parágrafo 175 do código penal prussiano passou a ser aplicado em todo o país. Esse parágrafo tornava punível qualquer ato sexual entre homens. É importante lembrar que a lei não incluía o lesbianismo.

Mas, de fato, a lei não era aplicada e, no começo do século XX, a Alemanha assistia a um intenso movimento para legalizar a homossexualidade. Isso se deveu principalmente aos esforços do Dr. Magnus Hirschfeld que, em 1897, fundou o Comitê Cientifico Humanitário, que mais tarde se transformaria no Instituto de Pesquisa da Sexualidade. Este movimento cresceu muito nos anos que antecederam a ascensão de Hitler. Fundaram-se vários grupos de luta pelos direitos dos homossexuais e a cultura gay teve bastante influência na sociedade da época.

Em fevereiro de 1930, um mês após ter sido eleito chanceler da Alemanha, Hitler baniu a pornografia, junto com todas as organizações que lutavam pelos direitos dos homossexuais. Em 7 de março, Kurt Hiller, sucessor de Hirschifeld no Instituto de Pesquisa da Sexualidade, foi preso e levado a um campo de concentração.

Em 6 de maio, o Instituto de Pesquisa da Sexualidade foi completamente destruído. Todos os livros e artigos de Hirschfeld foram queimados. No verão de 1933, a polícia política de Hitler invadiu os bares gays por toda a Alemanha, sendo muitos deles fechados.

Assim como os judeus, a maior parte dos homossexuais não acreditava que, num país “civilizado”, as coisas pudessem ficar ainda piores. As pessoas esperavam que as coisas fossem se acalmar e tudo fosse voltar ao normal. O ataque ao IPS foi interpretado por muitos gays como uma estratégia para, atingir, de fato, os judeus. Alguns se sentiam também confortados com o fato, largamente conhecido, de que o braço direito de Hitler, Ernst Roehm, era homossexual.

Não obstante, o próprio Roehm foi alvo de um lobby do general Heinrich Himmler e outros na hierarquia nazista que queriam desqualificá-lo, justamente por causa de sua homossexualidade. De 28 de junho a 3 de julho de 1934, um banho de sangue (conhecido como as "Noites das Longas Navalhas") abateu sobre a SA, eliminando Roehm e todos os seus subordinados.

Logo que assumiu, Himmler criou a GESTAPO, organização que, mais tarde, exterminaria populações inteiras. Criou também a Secretaria Federal de Segurança de Combate ao Aborto e ao Homossexualismo. Acreditando que a homossexualidade devia ser considerada uma doença contagiosa, que podia afetar os jovens e futuros soldados alemães, Himmler pregava o Juízo Final tanto para os judeus quanto para os homossexuais. Ele dizia: “Nós devemos exterminar o mal pela raiz. Imaginem quantas crianças jamais irão nascer por causa disso... Quando alguém no Serviço de Segurança, no SS, ou no governo possui tendências homossexuais, ele abandona a ordem moral das coisas e passa para o mundo pervertido dos homossexuais... O homossexual é um traidor de seu próprio povo e deve ser estirpado”.

Os primeiros a serem aprisionados foram os líderes das organizações de emancipação homossexual. No início de 1933, enquanto todos tentavam esconder sua orientação sexual, alguns gays foram enviados a Dachau (campo de concentração perto de Munique), pois para o inquisidor alemão, Himmler, os criminosos deveriam ser reeducados nos campos de concentração.

Em 24 de outubro de 1934, a GESTAPO instruiu departamentos de polícia por toda a Alemanha a fazerem listas com pessoas que tivessem alguma atividade homoerótica. Por fim, em 28 de junho de 1935, os gays, assim como outras minorias sexuais foram considerados foras-da-lei, e o parágrafo 175 foi alterado para incluir qualquer contato íntimo entre homens, mesmo que fosse um simples olhar.

Embora muitos gays tenham conseguido livrar-se da prisão, estimativas confiáveis indicam que pelo menos 50 a 63 mil homens foram condenados por prática de “homossexualismo”. Segundo Haeberle, entre cinco e quinze mil homossexuais pereceram nos campos de concentração. O estudioso relata ainda que os gays viviam constantemente a aflição de saber que, se fossem descobertos, também poderiam ser levados aos campos, onde a doença, o definhamento e a morte certamente os esperavam. No campos, os homossexuais eram espancados, chutados, esbofeteados e hostilizados por todos, inclusive pelos outros prisioneiros. Eles eram isolados de todos e recebiam o pior dos trabalhos. Não podiam manter qualquer tipo de atividade sexual, até mesmo a masturbação.

Os homens que viviam sob o signo do "triângulo rosa" eram hierarquicamente inferiores dentro dos campos. Enfrentavam, mais do que qualquer outro prisioneiro, dificuldades para se comunicarem com o mundo exterior. Para os heterossexuais era difícil, mas não impossível. Era possível contrabandear comida, cartas ou até mesmo, ocasionalmente, conseguir uma libertação ou uma transferência através de seus parentes. Já os homossexuais tinham as relações cortadas com o mundo exterior. Poucos familiares desejavam ou tinham coragem de ajudar os condenados pelos crimes previstos no Parágrafo 175. Tal era o clima de terror que os nazistas criaram. A situação vivida nos campos fazia com que os prisioneiros gays fossem rápida e sistematicamente exterminados.

Os três mais terríveis destinos que aguardavam os homossexuais que caiam nas mãos dos nazistas eram: 1) as fábricas de pólvora, onde qualquer um ficava com tuberculose em pouco mais de duas semanas, pois tinha que trabalhar e viver em túneis; 2) as fábricas de cimento, onde o trabalho era literalmente pesado e, muitas vezes, eram jogados em valas de concreto; 3) e os laboratórios médicos, onde era feita, sem anestesia, toda forma de experiência.

Mesmo após a liberação dos campos, no final da segunda guerra, continuou a perseguição aos homens do triângulo rosa. O mundo do pós-guerra ainda era oficialmente hostil em relação aos homossexuais. Só para termos uma idéia, o Parágrafo 175 apenas foi revogado em 1967, na antiga Alemanha Oriental e, em 1969, na Ocidental. No final da guerra, os juízes americanos e britânicos que presidiram a liberação dos campos não eram menos homofóbicos. Eles estabeleceram que os prisioneiros que haviam sido condenados devido a crimes sexuais, deveriam cumprir (pasmem!) o restante de sua pena em uma cadeia. O argumento usado era de que um campo de concentração não era exatamente uma prisão!

Diferentemente de outros grupos perseguidos, nenhuma compensação foi dada aos prisioneiros gays para ajustarem-se à vida do pós-campo. Uma vez que suas famílias recusavam-se a recebê-los, que seus amigos haviam mudado para locais distantes e que seus amantes estavam mortos, tornou-se extremamente difícil recuperarem-se emocional e psicologicamente do horror dos campos da morte.

O historiador Erwin Haerberle deixou isso muito claro: “O rebaixamento verbal dos homossexuais, a estigmatização, o aprisionamento e, finalmente, as 'curas' forçadas em virtude de suas supostas condições clínicas — com todas essas ações, os nazistas simplesmente continuaram e intensificaram o que antes sempre tinha sido uma prática comum e o que, de diferentes maneiras, ainda continua em muitas sociedades, incluindo a nossa”. Diante destes fatos, a pergunta óbvia que fazemos (e que não deixa de ter um quê de ingenuidade) é: como puderam fazer tamanha injustiça? Como o sentimento da homofobia pôde crescer numa nação “civilizada” como a Alemanha?

Como Haerbele, alguns historiadores relacionam o aumento da homofobia com a queda da Bolsa de Valores. Sustentam que a tolerância sexual de que os gays gozavam na Alemanha começou a decair na mesma proporção que a economia do país. Realmente, a queda da Bolsa de Valores, em 1929, levou ao colapso dos bancos na Alemanha e na Áustria, e consequentemente, muitas fundações entraram em falência. Em Berlim, o ódio contra judeus, homossexuais e comunistas ganhou força com a ideologia nacionalista. Devemos ter em mente, porém, que a crise econômica já vinha desde a primeira guerra. Mas o aprofundamento da crise inegavelmente contribuiu para a propagação da homofobia. Não é, contudo, nosso objetivo explorar, aqui, as causas do homofobia nazista.

O que nos parece importante salientar é fato de que os nazistas empreenderam, com base na Lei, uma campanha paulatina contra homossexuais: se, no início, basearam suas ações nas leis homofóbicas existentes, com o passar do tempo, foram criando mecanismos específicos para a criminalização da homossexualidade, o que nos leva a questionar, como Antígona, a ilegitimidade da lei injusta.

Uma reflexão sobre medidas autoritárias de governantes reacionários remeter-nos-ia a episódios marcantes da história das civilizações, mas também nos traria até aos dias de hoje, onde vemos inúmeros países em que a mesma e cruel legislação (nazista, poder-se-ia dizer) ainda está em pleno vigor. É o caso de certos países islâmicos, em que a pena para o crime das práticas homófilas continua sendo o fuzilamento ou o enterro dos "criminosos" ainda vivos. É também o caso dos Estados Unidos, que se gabam de ser a nação da liberdade, mas que mantêm legislações estaduais extremamente rigorosas contra os homossexuais (por Elias Ribeiro de Castro – pesquisador do Centro Acadêmico de Estudos Homoeróticos da USP).

domingo, 3 de janeiro de 2010

Poema Falado: O CORPO

Verão em Salvador é tempo de muito calor, água de coco, festa e praia. Também é tempo de exibir e apreciar o corpo. Os antigos gregos definiam o corpo como instrumento da alma. Essa definição possibilitou duas visões bem distintas em relação ao corpo: em alguns momentos ele é visto com apreço pela função que exerce, sendo elogiado ou exaltado; ora é criticado por não corresponder a seu objetivo ou por implicar limites ao crescimento da alma devido a seus instintos, desejos e pulsões. Nesse sentido, o corpo é condenado, oprimido e execrado como túmulo ou prisão da alma, sempre nobre e sublime. Apesar dessa visão, durante séculos corpo e alma foram concebidos como duas substâncias indissociáveis. A partir do dualismo cartesiano, entretanto, aparecem como substâncias distintas uma da outra. Para Descartes, ao corpo pertence todo calor e todos os movimentos existentes em nós, não dependendo, em absoluto, do pensamento. O corpo é, portanto, visto como uma máquina que se move por si, não estando relacionado a qualquer força externa ou de natureza distinta da sua, pois traz consigo “o princípio corpóreo dos movimentos para os quais foi projetado, juntamente com todos os requisitos para agir”. Tal perspectiva abriu espaço para que o corpo pudesse, enfim, ser visto não com desprezo, como o foi por muito tempo, especialmente ao longo da Idade Média, mas, sim, com admiração, pois corpo é também beleza, desejo e paixão, como demonstraram os gênios do Renascimento.

No mês que dá início ao novo ano e em que o verão na capital da Bahia pega fogo, o Salvador na sola do pé faz uma reverência ao corpo esplêndido de todos nós por meio do poema do Arnaldo Antunes que diz: “O corpo existe e pode ser pego. É suficientemente opaco para que se possa vê-lo. Se ficar olhando o ânus você pode ver crescer o cabelo. O corpo existe porque foi feito. Por isso tem um buraco no meio. O corpo existe dado que exala cheiro e em cada extremidade existe um dedo. O corpo se cortado espirra um líquido vermelho. O corpo tem alguém como recheio”. Boa leitura e bom deleite! (por Sílvio Benevides)
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