sábado, 21 de fevereiro de 2009

Carmem Miranda, a pequena mais que notável!

Falar de carnaval é falar de alegria, brilho e fantasia. Ninguém encarnou melhor essas características do que a eternamente imortal Carmem Miranda. Em tempos de celebração momesca Coccinelle presta uma homenagem à diva maior das joaninhas, não tanto pelos brilhos ofuscantes e balangandãs que costumava ostentar, mas, sobretudo, pelos vôos notáveis dessa pequena, portuguesa de nascimento e brasileira por opção. Após o carnaval estarei de volta a voltear. Isto é, se o Rei Momo liberar...
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O que é que a baiana tem?
Música do DORIVAL CAYMMI interpretada pela CARMEM MIRANDA
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O Que é que a baiana tem?
O Que é que a baiana tem?

Tem torço de seda, tem!
Tem brincos de ouro tem!
Corrente de ouro tem!
Tem pano-da-costa, tem!
Sandália enfeitada, tem!
Tem graça como ninguém
Como ela requebra bem!

Quando você se requebrar
Caia por cima de mim
Caia por cima de mim
Caia por cima de mim

O Que é que a baiana tem?
O Que é que a baiana tem?
O Que é que a baiana tem?
O Que é que a baiana tem?

Tem torço de seda, tem!
Tem brincos de ouro tem!
Corrente de ouro tem!
Tem pano-da-costa, tem!
Sandália enfeitada, tem!
Só vai no Bonfim quem tem
(O Que é que a baiana tem?)
Só vai no Bonfim quem tem
Só vai no Bonfim quem tem

Um rosário de ouro, uma bolota assim
Quem não tem balagandãs não vai no Bonfim
(Oi, não vai no Bonfim)
(Oi, não vai no Bonfim)

domingo, 15 de fevereiro de 2009

Mais do mesmo, pois o mesmo é muito mais!

Semana passada falei sobre o caralho do Gregório de Matos, quero dizer, sobre o poema do Gregório de Matos que discorre sobre o caralho. Pois bem, essa semana volto ao mesmo assunto. Não sobre o caralho, que, como vimos, é coisa antiga, mas sobre o poeta Gregório de Matos. Toda sua obra refletiu o espírito de uma época. Estou a falar do século XVII. De um lado ventos que sopravam modernidades como, por exemplo, o mercantilismo (embrião do capitalismo), a ascensão da burguesia, a Reforma Protestante, o conhecimento científico desafiando o conhecimento religioso, as novas concepções políticas e ideológicas, que colocavam o homem, e não mais Deus, no centro da existência humana, etc.; de outro, as forças conservadoras do chamado “antigo regime” resistindo às novidades introduzidas pela chamada Era Moderna. Na arte, o duelo entre as forças da Modernidade e as forças do Antigo Regime se apresentou através de expressões estéticas como o Barroco, profundamente marcado por dualismos do tipo CÉU X INFERNO, BELO X FEIO, PECADO X VIRTUDE, ESPÍRITO X MATÉRIA, DEUS X DIABO, entre outras.

A obra poética do Gregório de Matos “apresenta duas vertentes: uma satírica (pela qual é mais conhecido) que, não raro, apresenta aspectos eróticos e pornográficos; outra lírica, de fundo religioso e moral. Ao contrário de Vieira, Gregório não se envolveu com questões magnas, afetas à condução da política em curso: não lhe interessavam os índios, mas as mulatas; não o aborreciam os holandeses, mas os portugueses; não cultivou a política, mas a boêmia; não "fixou a sintaxe vernácula", mas engordou o léxico; não transitou pelas cortes européias, mas vagabundeou pelo Recôncavo. É uma espécie de poeta maldito, sempre ágil na provocação, mas nem por isso indiferente à paixão humana ou religiosa, à natureza, à reflexão e, dado importante, às virtualidades poéticas duma língua européia recém-transplantada para os trópicos. Ridicularizando políticos e religiosos, zombando da empáfia dos mulatos, assediando freiras e mulatas, ou manejando um vocabulário acessível e popular, o poeta baiano abrasileirou o barroco importado: seus versos são um espelho fiel de um país que se formava. Finalmente, o que muitos não devem saber é que Gregório também é considerado antecedente do nosso cancioneiro, pois fazia "versos à lira", apoiando-se em violas de arame para compor solfas e lundus. O lundu, criado nas ruas, tinha ritmo agitado e sincopado, e melodia simples com resquícios modais, sendo basicamente negro. Do lundu vieram o chorinho, o samba, o baião, as marchinhas e os gêneros de caráter ritmado e irreverente” (Consultar Fonte na íntegra).

Assim foi o Gregório de Matos, um poeta dividido entre a aurora de uma nova era e o ocaso de uma outra. No Brasil, além do Gregório de Matos, são nomes de grande expressão do Barroco nacional o Padre Antônio Vieira e os artistas plásticos Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, e Manoel da Costa Athayde.
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SONETO
(Gregório de Matos)

Carregado de mim ando no mundo,
E o grande peso embarga-me as passadas,
Que como ando por vias desusadas,
Faço o peso crescer, e vou-me ao fundo.

O remédio será seguir o imundo
Caminho, onde dos mais vejo as pisadas,
Que as bestas andam juntas mais ousadas,
Do que anda só o engenho mais profundo.

Não é fácil viver entre os insanos,
Erra, quem presumir que sabe tudo,
Se o atalho não soube dos seus danos.

O prudente varão há de ser mudo,
Que é melhor neste mundo, mar de enganos,
Ser louco c'os demais, que só, sisudo.
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Veja o poema acima sendo dito por um ator. É POEMA FALADO também aqui, viu Papillon?

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domingo, 8 de fevereiro de 2009

Caralho é coisa antiga

GREGÓRIO DE MATOS nasceu na Bahia aos 23 de dezembro de 1623. Oriundo de uma família portuguesa abastada, que fez fortuna depois de deixar a Corte para colonizar as terras hoje chamadas Brasil, ele é conhecido como Boca do Inferno por conta das suas sátiras ferinas e virulentas, sempre prontas a atacar os poderosos, os dogmas, os moralistas e os “bons costumes” da velha Cidade da Bahia. Por essa razão, sua obra, em especial sua poesia satírica, é considerada até hoje como uma das mais rebeldes e malditas da literatura brasileira. As décimas abaixo foram escritas para explicar o que vem a ser um tal de caralho para uma freira que ele desejava arrastar para as delícias do paraíso. Há quem diga que o poeta tinha um fraco por hábitos. O que não se sabe é se a tal freirinha lhe fez essa pergunta por pura ingenuidade, afinal, sua condição exigia dela total comedimento, ou por uma lúbrica troça de santa do pau oco.

A UMAS FREIRAS QUE MANDARAM PERGUNTAR POR OCIOSIDADE AO POETA A DEFINIÇÃO DO PRÍAPO E ELE LHES MANDOU DEFINIDO, E EXPLICANDO NESTAS.
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DÉCIMAS

1

Ei-lo vai desenfreado,
que quebrou na briga o freio,
todo vai de sangue cheio,
todo vai ensangüentado:
meteu-se na briga armado,
como quem nada receia
foi dar um golpe na veia,
deu outro também em si,
bem merece estar assi [assim],
quem se mete em casa alheia.

2

Inda que pareça nova,
Senhora, a comparação,
É semelhante ao Furão [mamífero usado em caçadas para tirar coelhos das tocas],
que entra sem temer a cova:
quer faça calma, quer chova,
nunca receia as estradas,
mas antes se estão tapadas,
para as poder penetrar,
começa de pelejar
como porco às focinhadas.

3

Este lampreão [pênis em ereção ou com orgasmo] com talo,
que tudo come sem nojo,
tem pesos como relojo [relógio],
também serve de badalo:
tem freio como cavalo,
e como frade capelo,
é cousa engraçada vê-lo
ora curto, ora comprido,
anda de peles vestido
curtidas já sem cabelo.

4

Quem seu preço não entende,
não dará por ele nada,
é como cobra enroscada,
que em aquecendo se estende:
é círio, quando se acende,
é relógio, que não mente,
é pepino de semente,
tem cano como funil,
é pau para tamboril,
bate os couros lindamente.

5

É grande mergulhador,
e jamais perdeu o nado,
antes quando mergulhado
sente então gosto maior:
traz cascavéis como Assor [divindade babilônica que vigiava a Grande Serpente],
e como tal se mantém
de carne crua também,
estando sempre a comer,
ninguém Ihe ouvirá dizer,
esta carne falta tem.

6

Se se agasta, quebra as trelas
como leão assanhado,
tendo um só olho, e vazado,
tudo acerta às palpadelas:
amassa tendo gamelas
doze vezes sem cansar,
e traz já para amassar
as costas tão bem dispostas,
que traz envolto nas costas
fermento de levedar.

7

Tanto tem de mais valia,
quanto tem de teso, e relho,
é semelhante ao coelho,
que somente em cova cria:
quer de noite, quer de dia,
se tem pasto, sempre come,
o comer Ihe acende a fome,
mas às vezes de cansado
de prazer inteiriçado
dentro em si se esconde, e some.

8

Está sempre soluçando
como triste solitário,
mas se avista seu contrário,
fica como o barco arfando:
quer fique duro, quer brando,
tem tal natureza, e casta,
que no instante, em que se agasta,
(qual Galgo, que a Lebre vê)
dá com tanta força, que,
os que tem presos, arrasta.

9

Tem uma contínua fome,
e sempre para comer
está pronto, e é de crer,
que em qualquer das horas come:
traz por geração seu nome,
que por fim hei de explicar,
e também posso afirmar,
que sendo tão esfaimado,
dá leite como um danado,
a quem o quer ordenhar.

10

É da condição de Ouriço,
que quando lhe tocam, se arma,
ergue-se em tocando alarma,
como cavalo castiço:
é mais longo, que roliço,
de condição mui travessa,
direi, porque não me esqueça,
que é criado nas cavernas,
e que somente entre as pernas
gosta de ter a cabeça.

11

É bem feito pelas costas,
que parece uma banana,
com que as mulheres engana
trazendo-as bem descompostas:
nem boas, nem más respostas
Ihe ouviram dizer jamais,
porém causa efeitos tais,
que quem exprimenta [experimenta], os sabe,
quando na língua não cabe
a conta dos seus sinais.

12

É pincel, que cem mil vezes
mais que os outros pincéis val [vale],
porque dura sempre a cal,
com que caia, nove meses:
este faz haver Meneses,
Almadas, e Vasconcelos,
Rochas, Farias, e Teles,
Coelhos, Britos, Pereiras,
Sousas, e Castros, e Meiras,
Lancastros, Coutinhos, Melos.

13

Este, Senhora, a quem sigo,
de tão raras condições,
é caralho de culhões
das mulheres muito amigo:
se o tomais na mão, vos digo,
que haveis de achá-lo sisudo;
mas sorumbático, e mudo,
sem que vos diga, o que quer,
vos haveis de oferecer
a seu serviço contudo.

domingo, 1 de fevereiro de 2009

Saudades

Pour mon cher ami que je n’ai jamais connu

Quero falar da saudade que bate dentro de mim, uma saudade imensa. Saudade de tempos que não vivi, de lugares onde jamais estive, de coisas que nunca possuí, de pessoas que em momento algum conheci. Pouco tenho de meu. A não ser as canções que não ouvi, as lembranças que estão fora de mim, os livros cujas páginas jamais li, os sonhos que nunca sonhei, os amores que não amei. Tenho em mim tantas saudades. Tantas saudades que nem sei...

Às margens do Tejo sobrevoei paisagens magníficas. Por entre velhos sobrados de paredes multicoloridas buscava juntar meus retalhos, sanar minhas feridas. Foi durante esse voltear que avistei nos arredores de um castelo, no alto de uma montanha, um solitário girassol tão belo quanto o próprio sol numa manhã de janeiro. O amarelo de suas pétalas resplandecia em minhas retinas de modo tão alucinante que eu cria, de fato, sermos apenas uma alma plena e não duas vazias. Encantei-me. Quis chegar mais perto dos seus segredos, mas a distância entre nós era mais longa que a dor de uma saudade a beira do cais. Ademais, tenho asas pequeninas e os ventos não cessavam o seu soprar. E de tanto soprarem, pude ouvir a viração anunciar sua sentença: os sinos negros repicam nas praias do Atlântico norte; de certo na vida temos apenas a morte. Meu peito emudeceu. Cantar de nada adiantaria. Só me restou, então, lamentar. E como lamentei! Não era justo que um belo e resplandecente girassol se voltasse contra o sol. Julguei ser a vida uma obra mal escrita. Tantas são as tramas, mas sempre o mesmo e único fim. Nada restou daquela beleza infinda. Nem mesmo o pó. Quis chorar, mas não pude, pois eu bem sabia que cumprida sua missão nesta terra, o mais belo dos girassóis adormeceu suavemente para encontrar a suprema quietude que ardentemente desejava. Sua morte não foi coberta de luto e tristeza. Foi antes de tudo o amor divino, que adornado de luz e alegria, veio envolver seu corpo antes que sofresse as injúrias da corrupção. Pensar assim me conforta e atenua a saudade que em mim por vezes brota. Por isso lhe dedico esta melodia para que a ouças onde quer que estejas (por Coccinelle).

Marisa Monte - Pelo tempo que durar (produzido por COCCINELLE)

O vídeo abaixo foi produzido por mim para ilustrar a postagem acima e para homenagear a tudo e a todos que me fazem bem seja nessa ou na existência que está por vir.
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